Em tempos de novas e sutis formas de autoritarismo, a memória se torna um artifício essencial para relembrar o caminho que nos fez chegar nos dias de hoje. Em 2002, foi instalada a Comissão da Anistia, no Ministério da Justiça, a partir da Lei 10.559, com o objetivo de reverter o cenário jurídico de impunidade que se perpetuou durante a ditadura militar brasileira (1964-1985). Com ela, se iniciava também uma tentativa de reparação econômica e moral daqueles diretamente afetados pelo regime, ressignificando também o direito à memória.
O fotolivro P14311 (título em referência ao número de matrícula do militante comunista Gregório Bezerra) do fotógrafo italiano Diego Di Niglio, tem por objetivo reativar a memória através de 100 imagens que reproduzem os depoimentos recolhidos durante o projeto "Marcas da Memória – História Oral da Anistia no Brasil". Para além do tradicional fotojornalismo documental, o trabalho foi feito com uma intencionalidade narrativa específica para compor o projeto, que será lançado nesta terça (20), no Arquivo Público Estadual (R. Imperador Pedro Segundo – Santo Antônio), às 18h30, e conta com o apoio do Funcultura.
Fotógrafo autodidata e cientista político por formação, o italiano chegou ao Brasil em 2011, tendo se despedido em 2017 e voltando este mês para o lançamento do seu novo trabalho, construído em parceria com colegas e entidades. O livro conta com a participação de Lia Lecube (coordenação editorial), Kelly Ferreira de Lima (projeto gráfico), Mateus Sá (fotógrafo editor), além dos professores da Universidade Federal de Pernambuco, Pablo Porfirio e José Afonso Jr. que elaboraram os textos históricos e as críticas que acompanham as fotografias.
Para chegar ao produto final, um intenso trabalho de pesquisa foi realizado entre os anos de 2014 e 2017. Foram utilizadas como fontes: biografias, livros, documentários, filmes ou mesmo o Acervo do Antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social – órgão responsável pelas repressões àqueles considerados “ameaça” aos interesses do regime), que se encontra no Arquivo Público do Estado de Pernambuco. Além de prontuários funcionais (de organismos, sindicatos ou partidos) e contato com familiares e vítimas. "Meu trabalho iniciou, principalmente, com o encontro com as pessoas, antes de chegar nos documentos. A forma de abordar foi sempre muito aquela de um encontro, um diálogo, tanto que eu sempre filmava esses depoimentos, o que me ajudava a refletir sobre as histórias deles”, explica o fotógrafo.
Voltar ao passado não é o principal objetivo de Diego. Afinal, o presente repete o passado. A preocupação do cientista político é, também, de fazer uma reflexão sobre os tempo atuais. “Ainda hoje estamos de novo nesse embate sobre as questões das intervenções militares. A questão da democracia ainda não está cem por cento resolvida nesse país e em cada situação de crise voltam práticas de caráter muito dura”, ressalta.
O chiaroscuro (contraste claro – escuro) nas fotografias, além de dar um ar dramático, possui uma intenção conceitual. “Essas imagens muito contrastadas, esses elementos que surgem da escuridão ou as luzes muito fortes, em alguns momentos, trazem essa dimensão, por um lado de memória e por outro de conseguir dar luz a fatos escondidos, a mentiras”, explica.
Nas fotos, personagens imaginários dão vida àqueles que o período ditatorial aniquilou. “Padre Henrique era um assessor de Dom Hélder Câmara, que trabalhava muito com os jovens naquela época”, explica. Encontrado morto em 1969 na região da Cidade Universitária, ele é retratado de forma utópica: “Imaginei ele estando vivo e correndo, ao invés de ter sido encontrado naquela madrugada. Como se fosse algo que poderia ter sido mas não foi”, complementa.
Mas os sobreviventes que insistem em compartilhar suas memórias também fazem parte das fotos. A última foto do livro traz Elzita Santa Cruz (mãe do militante Fernando Augusto) segurando uma rosa, metáfora da esperança: “Esse livro quer trazer uma mensagem de esperança, de paz, de justiça e não só do drama que foi aquela época. Tanto que a última foto do livro é uma flor vermelha, nas mãos de Elzita, ela na espera da volta do filho dela, o que é uma esperança para o futuro”, explica.
No dia do lançamento, 100 exemplares do livro serão distribuídos gratuitamente. As outras cópias estarão disponíveis nas livrarias e sebos. Mais informações podem ser obtidas no site p14311.org, onde se encontra a versão em libras das histórias. Diego Di Niglio também dirigiu Aurora 1964, documentário de mesma temática, lançado em 2017, que contou com o apoio do Funcultura.
Dia 20 de março de 2018 | Lançamento oficial aberto ao público
Local: Arquivo Público Estadual de Pernambuco | 1º andar (auditório)
Endereço: Rua do Imperador Pedro II, 371 - Bairro de Santo Antônio, Recife/PE.
Horário: 18h30
Acessibilidade: Intérprete de libras
Formato: Aberto ao público
Dia 21 de março de 2018 | Lançamento fechado
Lançamento para turmas de comunicação e história da Universidade Federal de Pernambuco.
Formato: Restrito às turmas convidadas
Dia 22 de março de 2018 | Lançamento fechado
Lançamento para alunos do projeto Fotolibras, no Arquivo Público Estadual de Pernambuco.
Formato: Restrito às turmas convidadas
Dia 23 de março de 2018 | Lançamento fechado
Lançamento para alunos do curso técnico de produção de áudio e vídeo da Escola Técnica Estadual Cícero Dias (Boa Viagem, Recife/PE).
Formato: Restrito às turmas convidadas
Dia 24 de março de 2018 | Lançamento aberto ao público
Local: Sebo Casa Azul
Endereço: Rua Treze de Maio, 121 - Carmo, Olinda/PE
Horário: 20h
O lançamento do livro fará parte da programação do Sebo: "Pela arte, pela democracia e pela liberdade."