Durante anos, a obsessão pelo crescimento do PIB moveu a política e a economia da China. Promoções do governo eram decididas com base no índice e prevalecia o temor de que uma expansão anual menor do que 8% levaria ao desemprego em massa.
Agora que a segunda maior economia está em desaceleração, o governo central tenta se afastar do "pibismo", como a obsessão foi apelidada por analistas, e corrigir os males gerados pelo crescimento desenfreado, entre eles explosão do crédito, excesso de capacidade e alta poluição.
A ordem, repetida à exaustão pelos líderes do Partido Comunista, é focar a qualidade, não a quantidade.
No fim de janeiro, Xangai foi a primeira megacidade chinesa a anunciar que não terá meta de crescimento do PIB para 2015, fortalecendo a tendência. Segundo o prefeito da cidade, Yang Xiong, a meta passa a ser "o aumento da qualidade e da eficiência".
Ele prometeu que a cidade manterá um "crescimento estável", mas não disse quanto isso significa em números.
Em 2014, dois terços das 31 províncias e megacidades da China, incluindo Xangai, tiveram crescimento abaixo das metas que estabeleceram, mais um indício de que a taxa do PIB já não tem mais a importância de antes.
Já o PIB nacional da China avançou 7,4%, também abaixo da meta oficial, de 7,4%. A meta para este ano, que será anunciada em breve, deve cair para cerca de 7%, segundo indicações do governo.
Pelo menos 70 pequenas cidades chinesas já haviam anunciado nos últimos meses que deixariam de ter meta anual de crescimento, no primeiro resultado visível da mudança de foco determinada pelo governo central.
O anúncio de que Xangai está seguindo a cartilha é notável não só pela importância da capital financeira do país como pelo peso político: Han Zheng, chefe do PC em Xangai, é membro do Politburo, que reúne os 25 homens mais poderosos do país.
SUCESSOS OCULTOS
O combate ao "pibismo" é recorrente nos discursos da alta cúpula, a começar pelo líder chinês, Xi Jinping.
"Precisamos dar atenção aos sucessos óbvios, mas também aos ocultos", disse Xi a líderes do partido em junho. "Já não podemos usar apenas o PIB para decidir quem são nossos heróis".
Fujian, província costeira no sul do país, foi uma das que abriram mão da meta do PIB. O governo local diz que adotará outras variáveis para medir desempenho, como desenvolvimento agrícola e proteção ambiental.
Apesar da campanha do governo pela diversificação dos métodos, a expansão do PIB num patamar razoável continua sendo central para manter a estabilidade do país mais populoso do mundo.
Justin Lin, ex-vice-presidente do Banco Mundial e um dos economistas mais respeitados do país, lembra que a China cresceu em média 9,8% ao ano nos 35 anos desde a abertura, "uma ascensão explosiva e sem precedentes".
Passado o milagre econômico, ele sustenta que é preciso manter a meta de crescimento acima de 7%.
"Essa taxa de crescimento pode ajudar a estabilizar o emprego, reduzir o risco financeiro e atingir a meta de dobrar a renda até 2020."
Em 2014 a China teve o menor crescimento econômico em 24 anos, 7,4%. Mas as estatísticas do ano passado também mostram os avanços da economia chinesa e da reforma do governo, que quer mais ênfase no consumo doméstico e menos investimentos. Um sinal disso é o aumento do setor de serviços, mais ligado ao consumo, cuja fatia da economia chinesa atingiu 48,2% em 2014.
Outro é o aumento da renda média, de 8%, acima do crescimento do PIB.
A alta no poder aquisitivo e a ascensão da chamada nova classe média é algo visível, e o turismo é só um dos exemplos. Segundo estatística divulgada pelo jornal estatal "China Daily", o número de passagens para o exterior compradas para o feriado do Ano Novo chinês, que começou nesta quinta, cresceu 350% em relação a 2014.
Para Peter Cai, editor de China do site de economia australiano "Business Spectator", os mercados externos também precisam se livrar da obsessão pelo PIB da China.
"É muito mais importante saber se Pequim está tendo progresso em importantes reformas, como a liberalização financeira, a proteção ambiental e a reforma fiscal. Esses esforços é que determinarão se a economia se manterá saudável nos próximos anos."