Economia do compartilhamento cria nova lógica de consumo

Consumo colaborativo traz consequências complexas para as relações econômicas como conhecemos
Do JC Online
Publicado em 16/08/2015 às 11:07
Consumo colaborativo traz consequências complexas para as relações econômicas como conhecemos Foto: Foto: Divulgação/ Uber


A polêmica em torno da legalidade do aplicativo Uber no Brasil é apenas a ponta do iceberg de um fenômeno mundial. Vai além de uma briga entre taxistas e motoristas particulares. Chamada de economia do compartilhamento, a troca direta de produtos e serviços entre pessoas comuns se ramifica rapidamente em todos os setores, prometendo mudar a lógica atual do consumo. Se os especialistas não estão de acordo sobre os impactos dessa nova configuração sobre o capitalismo, é unanimidade que não se pode lutar contra ela.

Em uma definição simplificada, economia do compartilhamento é a utilização coletiva de algo que estaria sendo pouco utilizado. Através da internet, as pessoas se conectam para oferecer ou solicitar esse bem excedente, criando uma rede colaborativa. Nessa configuração, os indivíduos podem ser ao mesmo tempo usuários e fornecedores. Já os intermediários (lojas, prestadoras de serviço, etc) se tornam cada vez menos essenciais.

“A rápida expansão desta nova economia leva a uma possibilidade de escaparmos do poder dos gigantes da intermediação e da filosofia da guerra econômica de todos contra todos, expandindo progressivamente os espaços de colaboração direta entre os agentes econômicos ao mesmo tempo produtores e consumidores”, resume o professor da pós-graduação em economia da PUC-SP, Ladislau Dowbor, sobre os desdobramentos do avanço do compartilhamento.

Apesar de afirmar que a rede colaborativa muda a lógica da organização econômica, Dowbor ainda não aposta em uma ameaça ao capitalismo. “Acho apressado demais, ainda estamos conhecendo o início disso tudo. Ainda vamos continuar a produzir, isso não vai mudar. A longo prazo teremos uma economia muito mais produtiva.”

Já o colaborador do Núcleo de Gestão do Porto Digital, Jacques Barcia, entende que – junto a outras inovações como a impressão 3D e a robótica – o compartilhamento pode trazer impactos maiores. “Juntando tudo, o custo de produção vai sofrer uma redução tão grande que pode não haver mais sentido comercializar. O que estamos vivendo é apenas a semente de algo que vai mudar drasticamente a estrutura das relações econômicas ”, diz.

Além das infinitas conexões possibilitadas pela internet, o fenômeno é impulsionado por uma dinâmica social, reflexo da vida contemporânea. “A vida nas grandes cidades é cada vez mais competitiva e individualista. Não há razão para acumular bens se eu posso consegui-los de forma compartilhada. Isso impacta a qualidade de vida das pessoas e representa uma nova mentalidade”, analisa o professor de sociologia da Unicap, Nadilson Silva.

Se o surgimento de redes colaborativas cresce em escala geométrica, o debate sobre a regulamentação desse segmento caminha a passos lentos. Na última quarta-feira (12) o senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou o primeiro Projeto de Lei para formalizar o Uber em todo o País, estabelecendo exigências como a cobrança de impostos sobre o serviço. 

Outro gigante da economia compartilhada, o Airbnb já é uma preocupação para a indústria hoteleira do Brasil. “Ainda não temos pesquisas que apontem números de prejuízos, mas existe uma sensibilidade. Isso vai ficar muito claro nas Olimpíadas do ano que vem. O Rio de Janeiro conta com 14 mil leitos oficiais. O Airbnb prevê aumentar para 20 mil. Não se pode oferecer isso sem uma regulação, sem critério fiscalizatório nem contribuição fiscal”, reclama o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Nerleo Caus. 

O representante da entidade, no entanto, garante não ser contra inovações. “O mundo está se reposicionando em relação ao capitalismo, que começa a dar sinais de fadiga e repensar valores. Por isso não temos que mudar ou proibir, mas acolher e regulamentar”, afirma. Caus diz estar disposto a procurar o senador Ricardo Ferraço para debater a regulação também de redes que afetem o setor hoteleiro.

Sobre a regulamentação de práticas de compartilhamento, Jacques Barcia faz uma ressalva. “É um grande erro tentar regular só para garantir o mercado para as indústrias tradicionais. A regulamentação deve vir para garantir benefícios aos usuários”, defende.

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