No pacote do presidente interino Michel Temer a proposta que mais suscita dúvidas quanto à viabilidade jurídica é a antecipação de R$ 100 bilhões devidos pelo BNDES ao Tesouro Nacional. O debate, inclusive, se relaciona ao tema das pedaladas fiscais, que estão na base formal do processo de impeachment da presidente afastada, Dilma Rousseff (PT).
De forma simples, as pedaladas “empurraram” para o futuro a quitação de despesas públicas, maquiando as contas e deixando a fatura para órgãos e bancos públicos, como o BNDES. Temer quer trazer do futuro dinheiro devido pelo banco ao Tesouro. No caso de Dilma, o Tribunal de Contas da União condenou a rolagem de R$ 52 bilhões em dívidas e equiparou a prática a uma operação de crédito entre Tesouro e bancos públicos sob seu controle, algo vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). No caso de Temer, o Tesouro já emprestou ao BNDES. O banco anteciparia a devolução: R$ 40 bilhões este ano e parcelas de R$ 30 bilhões em 2017 e 2018.
Técnicos da área de controle de contas questionam a legalidade, bem como o economista José Roberto Afonso, professor do mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). Para eles, a ideia viola a LRF, Artigo 37, incisos I e II, justo o texto que equipara a operações de crédito e proíbe recebimento antecipado de valores, pelo poder público, de empresas sob seu controle. Antes de fazer a operação, o governo consultará o TCU.
“A crítica tem pego o texto literal”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público, Carlos Ari Sundfeld. “É possível alterar um contrato entre banco público e Tesouro, se não resultar lesão”, explica Sundfeld. Para o economista-chefe do banco Safra e ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawal, a medida não desrespeita a lei e representará queda próxima a 1,5% do PIB da dívida pública bruta até 2018. “Ao final de 2015, o BNDES pagou antecipadamente R$ 30 bilhões ao Tesouro, o que ocorreu para mitigar o efeito do pagamento das pedaladas na dívida pública. Aquela operação e a proposta de hoje respeitam a lei."
O especialista em contas públicas e ex-secretário de Assuntos Econômicos do Ministério do Planejamento Raul Velloso também considera a operação legal. “Se o Tesouro emitiu o título e está resgatando, está fazendo o que a LRF quer, que é assegurar o controle da dívida”, afirmou.