Caixa diz que recebe por 'serviço prestado'

"Esse pagamento não é antecipado, e sim pago à vista, conforme a Resolução 460 do Conselho Curador do FGTS", disse a Caixa
Estadão Conteúdo
Publicado em 03/11/2016 às 9:20
"Esse pagamento não é antecipado, e sim pago à vista, conforme a Resolução 460 do Conselho Curador do FGTS", disse a Caixa Foto: Foto: Divulgação


Na avaliação da Caixa, o subsídio financeiro repassados pelo FGTS é uma espécie de pagamento por serviços prestados pelo banco, por isso, não há problema em ser pago à vista e registrado no balanço.

Diz o texto enviado ao Estado pela assessoria de imprensa da Caixa: "O subsídio se destina a assegurar o equilíbrio econômico-financeiro das operações de financiamento". E detalha qual é o seu destino: "Ressarcir os custos administrativos e operacionais, os riscos e a alocação de capital incorridos pelos agentes essencialmente até o momento da contração da operação." Na nota, a Caixa refuta que haja qualquer tipo de antecipação: "Esse pagamento não é antecipado, e sim pago à vista, conforme a Resolução 460 do Conselho Curador do FGTS."

O economista Leonardo Rolim, consultor da Comissão de Orçamento da Câmara e ex-secretário de Políticas de Previdência, leu o estudo, diz assinar embaixo dele e discordar da Caixa. "Marcos Köhler identificou algo muito grave que ninguém tinha percebido: estruturaram a coisa de um jeito que um dinheiro destinado às pessoas passou a gerar lucro para Caixa", diz Rolim, que trabalhou sete anos no Ministério do Trabalho, na área do FGTS, e na assessoria da Câmara acompanhou a criação do FI-FGTS.

A pedido do Estado, dois analistas de mercado, que preferiram não se identificar, leram as normas do FGTS e avaliaram o balanço da Caixa. Ambos não tiveram dúvida de que Caixa "antecipa receita futura".

Nas palavras de um deles, "é inegável que está havendo antecipação, e isso não deixa de ser contabilidade criativa". Segundo esse analista, há efeitos sobre o lucro da Caixa. "Parte do que ela apontou como resultado do exercício não deveria estar ali, eu não sei quanto, mas abre margem para questionamentos." 

Procurado, o Tribunal de Contas da União (TCU) informou que, coincidentemente, está dando início a uma ampla auditoria no FGTS para apurar como os recursos são usados. O órgão informou que não tem posição sobre essa questão. Em nota, o Banco Central disse que "a contabilização dos recursos recebidos pelas instituições financeiras deve ocorrer em conformidade com as normas constantes do Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif)". Procurado, o Conselho Curador do FGTS, que é atendido pela assessoria de imprensa do Ministério do Trabalho, não respondeu até o fechamento desta edição.

Entenda:

O Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, o FGTS, tem hoje mais de 37 milhões de contas vinculadas e um ativo que soma R$ 498 bilhões. A parte que cabe ao trabalhador rende 3% ao ano mais a Taxa Referencial (TR), dando um rendimento irrisório que hoje vem sendo comido pela inflação.

Outra parte dos recursos, porém, é aplicada em títulos públicos, atrelados à Selic, a taxa básica de juros, hoje em 14% ao ano. Isso foi criando "um extra" que fica disponível para ser utilizado pelo governo: é o chamado patrimônio líquido, que chegou à marca histórica de R$ 100 bilhões neste ano.

Inicialmente, a proposta do economista Marcos Köhler em seu estudo não era identificar "contabilidade criativa" com subsídios financeiros cobertos pelo FGTS. A sua proposta era demonstrar como os recursos do fundo haviam se transformado em um "orçamento paralelo" para o governo federal. 

Essa discussão já ocorre há algum tempo entre os especialistas. Para uma parte expressiva dos economistas, gastos públicos, como subsídios, devem ser sustentados diretamente pelo Orçamento da União, para que se controle o volume dos gastos públicos e seus efeitos na economia, bem como para que se tenha transparência sobre as políticas públicas. 

Köhler lembra que, contrariando esse entendimento, porém, o FGTS se tornou uma máquina de gerar dinheiro que não passa pelo orçamento da União, mas é canalizado para obras de infraestrutura, investimentos em empresas e programas subsidiados - muitos deles com retornos duvidosos ou até com prejuízos para o fundo.

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