O governo federal admitiu, na última terça-feira, que o rombo em suas contas é maior do que o previsto no início do ano, ampliando o déficit da meta fiscal de R$ 139 bilhões para R$ 159 bilhões. Os números, claro, chamam a atenção, mas talvez pelo seu volume o impacto da decisão pareça algo distante da realidade dos brasileiros. A ampliação da meta mexe na vida do trabalhador? Sim, e muito. Ao reconhecer que sua situação fiscal é ainda pior e que a recuperação será mais lenta, o governo também afirma que terá menos recursos para investir, precisará cortar gastos e ampliar receitas. Tudo isso fará com que a geração de empregos permaneça tímida e que, através de mais impostos ou não, a população terá que ajudar a pagar essa conta.
Para a alteração da meta desse ano, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, usou como justificativa a redução da inflação e o recuo na perspectiva de crescimento da economia, que passou de 2,5% para 2%. Apesar de a desaceleração de preços ser, em geral, uma boa notícia, também significa que a arrecadação também sofrerá redução. Com os preços mais em conta, os tributos cobrados sobre produtos e serviços também caem.
“Em face dessa perda de arrecadação das empresas e também do sistema financeiro estamos esperando em 2017 uma arrecadação menor do que esperávamos a um ano atrás, quando definimos a meta”, justificou o ministro.
“Se há a necessidade de ajuste em relação às contas públicas, o governo tem que fazer cortes e dizer onde e em que magnitude eles serão feitos. Isso inclui investimentos como saúde, educação, cada componente dos gastos públicos”, detalha o integrante do Conselho Regional de Economia de Pernambuco (Corecon-PE), Fábio Silva.
De forma bastante simplificada, é possível fazer uma analogia da mudança da meta fiscal do governo federal com uma família que sabe que vai encerrar o mês no vermelho. Para evitar que a corda no pescoço fique mais apertada, as pessoas da casa decidem estabelecer um limite para esse saldo negativo – valor possível de se pagar quando houver uma melhora na renda. Mas, no decorrer do mês, o dinheiro extra que estavam contando não entra, o esforço para economizar não se cumpre como o esperado e o resultado é uma dívida ainda maior.
“Numa comparação apenas ilustrativa, quando uma pessoa não paga suas contas e sua situação financeira não tem boas perspectivas, ela pode parar na lista do SPC, por exemplo. Quando isso acontece com um país, ele é rebaixado pelas agências internacionais de risco”, explica o coordenador de MBA do Cedepe, Tiago Monteiro. Apesar de não ter sido rebaixado, entidades como a Standard & Poor's (S&P) mantém o Brasil sob análise, com perspectiva negativa.
Mas, diferente de uma família, um País conta com uma diversidade muito maior de fatores que afetam seu planejamento orçamentário. De um lado, no início do ano o governo precisa ser otimista com suas projeções para estimular o mercado. Ao longo dos meses e independentemente das respostas da economia, no entanto, ele precisa cumprir com gastos imensos e inadiáveis – como o funcionalismo público e a Previdência.
“Por trás disso tudo há um problema político. O governo precisa ter uma condição de credibilidade junto à população para poder aprovar reformas que ajudariam a cumprir a meta fiscal”, lembra o vice-presidente Técnico do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Zulmir Breda, referindo-se, entre outras questões, à reforma da Previdência. A crise política, foi, segundo os especialistas, um dos principais fatores para a lentidão da retomada política – fator que, claro, não foi mencionado por Meirelles.
A instabilidade da administração do País – que desde o ano passado enfrenta um turbilhão de más notícias ligadas à classe política – retrai os empresários e investidores, que têm receio de apostar em um futuro incerto. O resultado é que a economia permanece travada, sem geração de emprego e renda, que resulta na baixa arrecadação, que por sua vez, piora o déficit do governo numa espécie de ciclo de más notícias.
No saldo final, o governo não só deixará de investir neste e no próximo ano – para quando a meta fiscal também ficou no déficit de R$ 159 bilhões – mas também vai se esforçar para gastar menos em alguns pontos e arrecadar mais de acordo com o que a situação política permitir. “Me parece que ainda faltam para o governo mecanismos de controle da qualidade dos gastos. A questão não é só a quantidade das despesas públicas, mas também a eficiência delas”, destaca Breda.
Se o governo aumenta o limite negativo do próprio orçamento, como ele consegue manter suas contas? Uma das saídas será a emissão de títulos da dívida pública. O sistema de financiamento do rombo permite transformar o valor que não consegue ser quitado pelo governo em títulos comprados por pessoas físicas e empresas, que são recompensadas com juros. Para quem compra os papéis, o mecanismo funciona como uma aplicação financeira muitas vezes vantajosa. Para o governo, é a perspectiva de permanecer rotativo do cartão de crédito por alguns anos.