O anúncio do plano de privatização da Eletrobrás provocou na terça-feira, 22, uma onda de euforia no mercado financeiro. As ações da estatal fecharam com valorização de 49,3%, e o valor de mercado da companhia saltou, em um só dia, cerca de R$ 9 bilhões, atingindo R$ 29 bilhões. O ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, destacou que, sob nova direção, acabarão as indicações políticas na empresa. E a ingerência política sempre foi vista pelo mercado como um fator limitador na atuação da empresa.
"No momento em que o governo deixa de ser o controlador, haverá perda das prerrogativas de indicações políticas nos conselhos da empresa", disse Coelho Filho, ao lembrar que esse fenômeno também beneficiou outras empresas estatais, como a mineradora Vale.
"O mercado adora a palavra 'privatização' e recebeu a notícia com euforia. Esse otimismo foi alimentado pela expectativa de que o governo siga no plano de desestatizações e coloque em prática um pacote de incentivo à infraestrutura", disse Pedro Galdi, analista da Magliano Corretora. "A Eletrobrás tem sido um problema, pelos sucessivos prejuízos, e ao mesmo tempo o governo não tem recursos para investir no sistema elétrico", disse Luiz Roberto Monteiro, da Renascença Corretora, justificando a euforia do mercado com o anúncio. Com ajuda da Eletrobrás, a Bolsa de São Paulo subiu 2,01%, ultrapassando, pela primeira vez desde 2011, o patamar de 70 mil pontos.
Segundo Coelho Filho, o debate sobre a desestatização da Eletrobras já existia no governo, e repetiu que a empresa - nas condições atuais - tem dificuldades em honrar seus compromissos e ainda competir no mercado. "O aumento de tarifas e de encargos não são alternativas", afirmou.
Apesar da privatização, o ministro disse que o desenho que está sendo estudado para a operação prevê que a União mantenha uma "golden share", com poder de veto em decisões da companhia.
O presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior, disse que a privatização colocará a empresa em pé de igualdade com outras companhias de energia internacionais, que até já estão presentes no mercado brasileiro. "No pé em que estamos, não teríamos essa condição", admitiu.
Ferreira Júnior assumiu a empresa em julho do ano passado, com a missão de reorganizar as finanças completamente debilitadas. E sempre reclamou das resistências às mudanças dentro da empresa. Por conta disso, chegou a se envolver em uma polêmica este ano: em conversa com sindicalistas para tentar implantar um plano de corte de funcionários, disse que 40% dos chefes dentro da empresa eram "vagabundos".
A privatização da Eletrobrás pode render R$ 17 bilhões para o Tesouro Nacional no próximo ano, segundo cálculos da consultoria Thymos Energia feitos a pedido do 'Estadão/Broadcast'. Essa estimativa leva em conta uma das opções aventadas pelo governo para vender o controle da empresa, que é a estatal levantar recursos na Bolsa de Valores com uma oferta de novas ações e usar o dinheiro para mudar os contratos do setor elétrico, o que geraria um pagamento de bônus à União. O governo ainda não definiu a modelagem de venda da empresa, mas anunciou ontem que a intenção é concluir o processo no primeiro semestre de 2018.
Apesar dessa perspectiva de reforço no caixa, o governo negou que esse seja o principal objetivo da operação. "Trata-se de um movimento muito maior do que apenas a necessidade arrecadatória. Vamos entregar uma nova empresa muito mais ágil após esse processo, com capacidade de enfrentar os desafios em um cenário competitivo com empresas globalizadas", disse o ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho.
A União tem dois caminhos diferentes para deixar o controle da companhia. O primeiro seria uma simples venda da sua participação no capital da empresa, mas os valores recebidos pelo Tesouro nessa operação - meramente financeira - não poderiam ser usados para reduzir o déficit primário (resultado antes do pagamento dos juros da dívida) do governo, estimado em R$ 159 bilhões. "Nesse caso, os recursos são inscritos como receitas financeiras, e não primárias. Não podem ser usados para o pagamento de despesas correntes", disse o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Eduardo Guardia.
Já em outra alternativa - muito mais provável em um contexto de penúria das contas públicas -, a própria Eletrobrás emitiria um grande volume de novas ações na Bolsa, o suficiente para que a participação da União fosse diluída no total. Nesse caso, o total de recursos - que pode superar os R$ 25 bilhões - ficaria com a própria empresa.
Só que, mesmo sem receber um centavo com a privatização da Eletrobrás, o Tesouro acabaria garantindo um reforço considerável por conta de um processo que corre em paralelo. O governo Michel Temer abriu consulta pública para alterar o marco regulatório do setor elétrico e, dentre as mudanças propostas, quer permitir que 91 usinas hidrelétricas que hoje são forçadas a praticar um preço muito abaixo de mercado possam trocar seus contratos por um regime mais vantajoso.
A Eletrobrás possui 14 dessas usinas - as maiores dentre elas - e poderia deixar de cobrar entre R$ 50 e R$ 60 por megawatt-hora (MWh) gerado para passar a cobrar mais de R$ 150 por MWh. Mas a alteração de regime - chamada de "descotização" - requer o pagamento de um bônus ao governo, que atualmente a empresa não teria como pagar. "O plano permitirá à empresa participar mais ativamente do processo de descotização das hidrelétricas. No momento, a empresa não teria condições financeiras de participar do processo e, com a desestatização, iremos participar", disse o presidente da Eletrobrás, Wilson Ferreira Júnior.
Ou seja, o dinheiro levantado com a privatização poderia bancar o custo da mudança de regime da empresa, estimado pela consultoria Thymos Energia em R$ 25 bilhões. Mas nem tudo iria para o governo. "A proposta que foi para consulta pública prevê que um terço do valor da alteração de contrato fique com a própria geradora, um terço sirva para abater encargos setoriais e o terço restante vá para o Tesouro. Mas o governo já sinalizou que pode tentar ficar com dois terços desse valor, o que daria em torno de R$ 17 bilhões", explicou o presidente da Thymos, João Carlos Mello.