Quando trabalhava como esmerilhador (área de soldas) no Estaleiro Atlântico Sul, em Suape, em 2015, Luiz Carlos da Silva, 57 anos, nem se preocupava com a possibilidade de precisar de um serviço de urgência em saúde. Com a crise econômica e as demissões em massa no setor onde atuava, Luiz Carlos perdeu o trabalho e junto com ele o plano de saúde coletivo empresarial com coparticipação. Nos últimos dois anos, ele e a família passaram a pagar por atendimentos em clínicas populares e, em casos mais graves, “encarar a fila do SUS”. “Sem o plano empresarial não dava para arcar com mais esse custo. Atualmente dependo do SUS e das clínicas particulares. Fazer um plano individual ou familiar foi uma opção descartada porque, pela minha idade, ficava muito caro”, afirma.
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A situação de Luiz Carlos é mesma de milhares de outros brasileiros. Entre 2015 e 2017, segundo dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), mais de três milhões de pessoas deixaram de ter planos de saúde no País. Segundo do SPC Brasil, 69,7% da população não têm assistência privada à saúde. Nas classes C, D e E, o número sobe para 77%. Os que mantêm o plano penam para não comprometer ainda mais o orçamento com reajustes que superam a inflação e inúmeras restrições aos tratamentos.
Em maio de 2018, última atualização feita pela ANS, o País contava com 47,2 milhões de beneficiários de planos de saúde. Do total de usuários de planos privados no Brasil, mais de 80% usam planos coletivos, em sua maioria os empresariais, que são adquiridos pela empresa onde as pessoas trabalham. Justamente por perder um plano dessa modalidade, Luiz Carlos passou a optar pela dobradinha clínica popular + SUS. Casado e com uma filha e neto dentro de casa, o esmerilhador gasta hoje cerca de R$ 600 ao mês para atendimento de toda a família em clínicas populares. “Só para o meu pai, o plano chegaria aos R$ 800”, afirma a filha de Luiz, Iris Tatiana, 31.
Se quem perdeu o emprego se vira como pode para ter acesso a serviços de saúde de qualidade, quem ainda tem plano privado faz questão de calcular o impacto de cada reajuste temendo uma mordida ainda maior no orçamento. “Tenho plano de saúde há 15 anos e não aguento mais ser surpreendida com reajuste acima da inflação. Durante esse tempo, tenho mudado de operadora para chegar sempre a uma mais barata”, explica a servidora pública federal Lenita Almeida, 52. Segundo ela, a família, composta por quatro pessoas, hoje gasta com planos de saúde R$ 4,3 mil, além de mais R$ 1,6 mil de plano odontológico para um dos filhos. “No meu departamento, muita gente já não tem mais plano. Eu mantenho porque tenho problemas de saúde e preciso para o caso de alguma emergência. A gente tem que fazer cortes para manter o plano porque a saúde é cara, mas é prioridade”, enfatiza.
Em 2018, os planos individuais foram autorizados a reajuste de até 10% – três vezes mais que a inflação de 2017. Já os demais planos podem ter teto de 40% para coparticipação e franquia, caso a suspensão de medida da ANS que autoriza a prática desse percentual seja revista pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo levantamento do Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), feito em janeiro deste ano, o brasileiro paga em média R$ 440 na mensalidade do plano de saúde, ou seja, em uma família com quatro pessoas o gasto com esse tipo de serviço é cerca de R$ 2 mil. E quanto maior a idade, mais cara a conta. A mensalidade média de um convênio médico para pessoas acima de 55 anos é de R$ 650, enquanto a média apurada entre beneficiários de 18 a 34 anos é de aproximadamente R$ 255.
Além do reajuste da própria mensalidade, os usuários de plano de saúde arcam com um reajuste ainda maior quando atingem uma das dez faixas etárias estipuladas pela ANS para mudança da base de preço. Aos 44 anos, a farmacêutica Edneia Goedert foi surpreendida com os dois reajustes de uma só vez. “Nesse momento decidi abandonar o plano de saúde. Comecei pagando R$ 360 e num único ano a mensalidade chegaria a R$ 830. Naquela época era impossível para mim”, conta ela, hoje aos 47 anos.
Após fazer um MBA em gestão hospitalar e trabalhar em hospitais do Recife, Edneia atentou para a possibilidade de outras pessoas enfrentarem o mesmo problema que ela com plano de saúde e resolveu empreender. “Resolvi abrir uma clínica popular e hoje sou dona e usuária. Minha família também não tem plano e nos consultamos aqui na clínica. Quando abri o Centro Médico +Saúde, no bairro da Boa Vista, a clínica faturava R$ 2 mil ao mês e tinha, em média, 40 consultas. Hoje, o faturamento está em R$ 150 mil, com duas mil consultas ao mês”, revela. Para tentar concorrer com os planos, a farmacêutica firmou parcerias até mesmo com hospitais. “Quem precisa de cirurgia ou internação, pela clínica, paga o procedimento com desconto em hospitais parceiros. É uma saída porque a preocupação em ter um plano é praticamente reduzida a esses serviços”, ressalta.
Ainda segundo o SPC, metade dos brasileiros que possuem convênio médico precisa abrir mão de outros gastos para conseguir arcar com o serviço. Atualmente, 69,7% dos brasileiros não possuem plano de saúde particular, individual ou empresarial, e entre pessoas das classes C, D e E esse percentual chega a 77%. Das pessoas que não possuem convênio médico, 25% pagam por serviços de saúde quando necessário. Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), mesmo com a redução de beneficiários, o número de procedimentos realizados pelos planos cresceu 3,4% entre 2016 e 2017. Entre as maiores altas, estão os atendimentos ambulatoriais (11,2%) e terapias (10,3%). As consultas médicas, por sua vez, sofreram redução de 1% no mesmo período.
Pesquisa realizada pelo Datafolha entre abril e maio de 2018, a pedido da Associação Paulista de Medicina (APM), mostra que, somente em São Paulo, 31% dos beneficiários de planos buscaram atendimento no SUS nos últimos dois anos. As reclamações contra os planos incluem o não cumprimento de todas a regras do contrato (52%), dificuldade na realização de procedimentos mais caros (66%) e demora na autorização de exames (47%). “Parece-me que a agência (ANS) está muito distante da realidade e não está cumprindo seu papel regulador. Quando fizemos a pesquisa já tínhamos a percepção de que as coisas não iam bem. Isso sem contar os valores dos planos, que não foram avaliados”, conta o diretor da APM, Florisval Meinão.