Quitéria Nascimento, 33 anos, conseguiu um emprego como trabalhadora doméstica há três semanas. O trabalho, com carteira assinada, foi comemorado com o alívio de quem tem três crianças pequenas para alimentar. "Veio na hora certa. Quando um filho pedir alguma coisa, vou ter como dar", diz.
Ela engrossa uma estatística que chama a atenção: o País nunca teve tantas pessoas trabalhando como empregados domésticos. Em um cenário de desemprego elevado e recuperação ainda lenta das vagas formais perdidas na crise, 6,356 milhões de brasileiros encontraram sustento nos serviços domésticos. Os dados são referentes ao trimestre encerrado em novembro de 2019, última divulgação da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua). A série foi iniciada em 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Apesar do recorde, o número de domésticos com carteira de trabalho assinada caiu ao menor patamar da série, 1,757 milhão em novembro. Outros 4,598 milhões atuavam na informalidade, montante mais elevado já registrado.
"É um emprego feminino, especialmente de mulheres negras, marcado pela baixa escolaridade e baixa renda. E é um perfil que tem envelhecido ao longo dos anos", resumiu Luana Pinheiro, pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que estuda o assunto.
As mulheres representam 97% dos trabalhadores domésticos no País, lembrou Cimar Azeredo, diretor adjunto de Pesquisas do IBGE - elas buscam o serviço doméstico como única alternativa para fugir do desemprego.
"O emprego doméstico acaba sendo uma porta de entrada para essas mulheres de mais baixa escolaridade, mais baixa renda. Meninas com escolaridade mais elevada ainda conseguiam se inserir em outras atividades, não menos precárias, como telemarketing ou no comércio. Mas o número de empregados domésticos voltou a crescer", disse Luana, do Ipea.
Em apenas um ano, 112 mil pessoas a mais aderiram ao emprego doméstico como forma de inserção no mercado de trabalho. Todas entraram pela via da informalidade. Na verdade, o contingente de empregados domésticos com carteira diminuiu 0,5% em relação a novembro de 2018. Ou seja, oito mil trabalhadores domésticos formais perderam o vínculo empregatício, com carteira assinada.
Desde abril de 2013, a jornada do trabalho doméstico é regulamentada por lei. Um conjunto de novas normas para a profissão, incluindo obrigações de empregadores, foi sancionada há mais de quatro anos, em 2 de junho de 2015. A medida foi conhecida como a PEC das Domésticas. O auge da carteira assinada do setor ocorreu entre 2015 e 2016. Na época, havia mais de dois milhões de trabalhadores domésticos formais.
Para Luana Pinheiro, alguns fenômenos estão por trás da redução na carteira assinada das domésticas. Um deles seria a migração de mensalistas para o trabalho como diaristas.
Dados mostram que vem aumentando também a proporção de famílias que optam por manter mensalistas na informalidade, mesmo que a prática viole a lei trabalhista. O porcentual de trabalhadores domésticos mensalistas com carteira assinada diminuiu de 46,1% em 2016 para 45,4% em 2017, descendo a 43,5% em 2018.
Os trabalhadores formais ganham, em média, 68% a mais que os informais. O salário médio de um empregado doméstico sem carteira foi de R$ 755 em novembro passado. Já o trabalhador doméstico com carteira assinada recebia R$ 1.269.