Poucas horas após a Câmara dos Deputados aprovar o texto base da Reforma da Previdência, no último dia 10, começaram a pipocar mensagens no celular do funcionário público federal Rogério Oliveira. Eram ofertas de planos de Previdência privada do banco onde o professor mantém conta. “Eu até esperava que isso acontecesse, mas não com essa rapidez”, reconhece. Ele conta que a propaganda chegou através de mensagens, telefonemas e até do aplicativo do banco. “Simplesmente ignorei. Ainda estou analisando se vale a pena ter uma Previdência complementar, mas, no momento, acredito que não”, diz Rogério.
O professor de geografia do Instituto Federal de Pernambuco (IFPE), Mário Ferreira Melo, foi outro que passou a ter a caixa de spam lotada de propostas. O curioso, diz, é que nunca havia recebido mensagens de banco neste sentido antes da votação da reforma da Previdência. “No mesmo dia da aprovação do texto pela Câmara comecei a receber e-mails de bancos públicos e privados. Parece até que já estava tudo engatilhado, só esperando a resposta do Congresso”, opina Mário Melo.
O professor diz que até entende o assédio dos bancos para “aproveitar o momento do mercado”, mas diz que, no caso dele, o esforço dos bancos para conquistar mais um cliente é inútil. Ele já tem um plano de Previdência privada há mais de cinco anos, e não por opção. “A minha única alternativa é ter a previdência privada, eu não gostaria. Por mim, ficaria no regime anterior, de paridade salarial, mas como assumi depois da reforma de 2013, a minha aposentadoria ficou limitada ao teto do INSS (R$ 5.800).”
Mário Melo diz que do seu salário líquido de cerca de R$ 8 mil desconta 8,5% para a Previdência privada e mais 11,5% do desconto compulsório do INSS. São 20% de descontos para manter um padrão de vida próximo ao atual depois da aposentadoria. “Eu comparo essa reforma como um condomínio, onde você tem de pagar uma taxa extra para cobrir o rombo de quem não paga”, diz ele, referindo-se ao que chama de “grandes grupos devedores do INSS”.
Para Marcelo Billi, gerente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), ainda é cedo para medir o impacto que a reforma da Previdência terá na procura pelos fundos de pensão. Na verdade, nos últimos 10 anos, já se observa um crescimento constante, motivado, segundo Marcelo Billi, pelas notícias do aumento da longevidade e a perspectiva de alterações na Previdência. Em 2018, o crescimento foi de 10,7%, em relação ao ano anterior. Este ano (de janeiro a junho), já se registra crescimento de 6,7%.
Ele não acredita que haverá agora uma “corrida” pelos planos de Previdência, porque essa opção envolve um planejamento a longo prazo, não é feito da noite para o dia, diz Billi. “O plano de Previdência privada interfere no orçamento e até nos hábitos de consumo das famílias. Por se tratar de uma capitalização de longo prazo, não acredito que haverá um boom por conta da reforma”, diz Marcelo Billi.
A reportagem contatou bancos públicos e privados para saber sobre a procura recente pelos planos de Previdência privada. O presidente da Brasilprev, Walter Malieni,disse que a empresa, líder no mercado nacional, lançou no ano passado um produto destinado a pessoas com renda mensal entre R$ 2 mil e R$ 8 mil, com contribuições mensais a partir de R$ 100. Desde o final de agosto de 2018, mais de 175 mil planos foram comercializados, sendo mais de 5 mil em Pernambuco, que está entre os três Estados que mais tiveram adesão no Nordeste. Para Walter Malieni, a reforma da Previdência ainda não influenciou as vendas. “O tema aumenta a conscientização das pessoas quanto à importância de se planejar para o futuro, mas não é possível afirmar que impacta no aumento da nossa base de clientes”. Basicamente os produtos comercializados pela Brasilprev são da modalidade PGBL e VGBL, sendo que o VGBL representa cerca de 70% de todos os planos.
Já o Santander respondeu, através de nota, que tem registrado um aumento no volume de captações de previdência, desde o ano passado. Somente no primeiro trimestre deste ano, foram quase 10 mil novos clientes. A média de captação mensal saiu de R$ 484 milhões, entre janeiro e agosto de 2018, para R$ 900 milhões, de setembro de 2018 a maio de 2019.O Santander espera aumento no volume de novos clientes à medida que os trâmites de aprovação da reforma forem sendo superados. Segundo a nota, o banco oferece produtos a partir de R$ 30 por mês. Atualmente, são mais de 350 mil clientes na carteira do Santander, sendo mais de 90% em planos de pessoa física do tipo VGBL.
Para quem está pensando em aderir a previdência privada, informação é fundamental. Leandro Trajano, planejador financeiro e consultor pessoal diz que o mercado oferece planos de previdência privada como algo muito simples, quando, segundo ele, não é.
Para o personal financeiro, a primeira pergunta que o investidor deve fazer é: qual tipo de previdência é ideal para mim? “Será preciso escolher entre o VGBL ou PGBL?, o que já é um filtro bacana”, diz Trajano. As siglas em si não dizem muita coisa. Plano Gerador de Benefícios Livres e Vida Gerador de Benefícios Livres. Mas importante é saber como utilizá-los. A principal diferença entre o PGBL e o VGBL é o tratamento tributário.
No plano VGBL, durante a fase de acumulação, não é permitido descontar o valor investido na declaração do Imposto de Renda. Em compensação, na hora de receber os recursos acumulados, o IR incidirá exclusivamente sobre os rendimentos. Ou seja, o valor acumulado não é taxado pelo Imposto de Renda. “ O VGBL é indicado para quem faz a declaração do Imposto de Renda pelo modelo simplificado, porque só permite o desconto padrão da Receita Federal. Mas é comum, por exemplo, oferecerem planos PGBL para uma criança, o que não faz sentido”, diz Trajano.
Já o PGBL é indicado para quem faz a declaração completa do Imposto de Renda, porque permite deduzir da base de cálculo do IR até 12% da renda bruta anual. O desconto não é feito diretamente sobre o imposto devido, mas sobre a base de cálculo, ou seja, sobre o total dos rendimentos tributáveis do ano, até o limite máximo de 12%. No momento do resgate dos recursos acumulados ou do benefício do PGBL, será cobrado o Imposto de Renda sobre o valor total (contribuições mais rendimentos) recebido.
Outro ponto a ser analisado é a tributação. Devo escolher a regressiva ou a progressiva? Para quem pretende passar bastante tempo com o dinheiro na previdência a melhor escolha, segundo Leandro Trajano, é a regressiva, porque quanto mais tempo você deixar, menor será a alíquota do Imposto de Renda. “A tributação progressiva é para aqueles que não tem uma reserva financeira, que vão precisar dispor do dinheiro num prazo mais curto, dois ou três anos. No longo prazo, acima de 10 anos, a tabela de desconto do IR reduz muito, fica em 10%, o que é pouco”, ensina Trajano.
O consultor financeiro alerta ainda para o fato de que a previdência privada é muito mais um seguro, um planejamento de vida longo prazo, mas não necessariamente um investimento. “Para quem quer investir é melhor procurar outros produtos financeiros que podem render muito mais”, explica. Outro ponto que deve ser observado são as taxas de administração, ela costumam ser mais altas nos bancos do que nas corretoras e seguradoras, diz o consultor financeiro. A taxa de carregamento é outra coisa a ser considerada. “Há casos, em planos antigos, de taxas de carregamento de 9% a cada aporte feito. Se você coloca R$ 100 por mês no fundo, R$ 9 reais são recolhidos como taxa de carregamento, é um abuso”, diz Trajano. Ele explica que atualmente a maioria dos grandes bancos e das seguradoras aboliram, ou ao menos aliviaram, essa taxa nos contratos mais recentes. Por isso mesmo o consultor aconselha rever a previdência a cada dois ou três anos. É possível fazer portabilidade para outros planos que o correntista considere no momento mais vantajoso, com taxas menores. Essa portabilidade é simples de fazer, mas pode incluir alguma taxa extra, é bom verificar”.
Não é possível passar de um plano VGBL para um plano PGBL (ou vice-versa), mas você pode conseguir mudar o regime de tributação (de progressivo para regressivo, ou o contrário), mudar as taxas de administração e de carregamento mudando para outro plano que cobre menos.