Os títulos da Petrobras que viraram pó

Comerciante comprou papéis que ajudaram a construir a estatal na década de 50. Hoje, em meio ao petrolão, ele quer o dinheiro de volta
Leonardo Spinelli
Publicado em 22/02/2015 às 10:36
Comerciante comprou papéis que ajudaram a construir a estatal na década de 50. Hoje, em meio ao petrolão, ele quer o dinheiro de volta Foto: Guga Matos/JC Imagem


Muito antes das fotos digitais, o comerciante Roberto Tartari ganhava um bom dinheiro com a sua loja de material fotográfico da Kodak, na Rua Nova, Centro do Recife. Em 1955, auge do negócio, ele registrou um lucro de 400 mil cruzeiros, relembra, quantia suficiente para investir num luxo que poucos brasileiros tinham acesso até então. Comprou um carrão americano da marca Plymouth, cuja a foto tem até hoje. 

Nessa época ainda não existia a indústria automobilística nacional e a Petrobras estava dando seus primeiros passos, com uma pequena ajuda de pessoas como o senhor Tartari, hoje com 85 anos. Por decreto do presidente Getúlio Vargas, todos os brasileiros que comprassem um carro, teriam de adquirir títulos da petrolífera criada em 1953, chamados de Obrigação ao Portador.

“A roubalheira na Petrobras começou aí”, diz taxativo, demonstrando pouca surpresa com os golpes descobertos dentro da estatal nos dias atuais.

“Desde o início da Petrobras já veio a cachorrada. Cadê o dinheiro que as pessoas empregaram na empresa? Entrou milhões e hoje não tenho nada”, esbraveja o comerciante. Ele se diz prejudicado por essa operação e pretende ir atrás de indenizações pois, na sua avaliação, os papéis que estão em seu poder, alguns comprados compulsoriamente, têm um valor superior a R$ 24 milhões. Ele possui quatro títulos de Obrigação ao Portador, dois com valor de face de 200 cruzeiros e outros dois com valor de 1000 cruzeiros, totalizando CR$ 2.400.

Tartari não diz ao certo porque não resgatou os títulos dentro do prazo previsto no próprio papel, que previa juros de 7% ao ano, mas com resgate integralmente liquidado até 31 de dezembro de 1978. “Não tive condições”, diz. Ele nem mesmo foi atrás dos cupons de juros, que ainda estão intocados nos títulos. São 40 cupons por documento com vencimentos semestrais que iam até 1978.

“Me disseram que o governo já havia cortado os três zeros do dinheiro. Mas não acredito nisso, pois se eu comprou 10% de uma casa em cruzeiros eu continuarei com os 10% dela em reais”, diz. Tartari diz que à época dos títulos o salário mínimo era algo em torno de CR$ 20. 

Dessa época para cá, a moeda brasileira já mudou sete vezes com os três zeros sendo cortados pelo menos quatro vezes. Por conta da inflação o dinheiro que valia CR$ 2.400 na época de Getúlio Vargas, hoje não vale nem um centavo

O problema para o senhor Tartari é que ele não é o primeiro a se dar conta disso e acionar a Petrobras. Em sua página de relações com os investidores, a estatal explica que as Obrigações ao Portador foram instituídas pela Lei n° 2.004/53 e decorreram da contribuição compulsória anual a que estavam sujeitos os proprietários de veículos de 1954 até 1957. “Esses títulos poderiam ter sido convertidos em ações preferenciais de emissão da Petrobras"

A empresa informa  que efetivou as subscrições públicas de ações entre os anos de 1957 e 1963 – para aumento de capital – e que atendeu todos os interessados em convertê-las em ações, com divulgação na imprensa e através da rede de estabelecimentos bancários. A Petrobras alega, ainda que, como esses títulos foram comprados em cruzeiros antigos não são corrigíveis, já que a correção monetária “somente foi instituída no País em 1964, ficando portanto, sem nenhuma representatividade no atual padrão monetário”. 

“Além disso, passados mais de 20 anos, o obrigacionista que não se pronunciou no tempo devido não pode mais pleitear receber o valor do resgate nem requerer a conversão, pois não exerceu esse direito no prazo previsto em lei e nas condições inseridas no verso das próprias obrigações, operando-se a caducidade dos títulos.”

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também já se pronunciou sobre o assunto através de um processo administrativo finalizado em 2007, que teve início em 2005. Na primeira manifestação sobre o assunto, a agência que regula o mercado de capitais no Brasil alegou que “tais títulos não são considerados valores mobiliários, estando, portanto, a sua regulamentação e fiscalização fora do âmbito das atribuições conferidas à CVM" 

Além disso, “não se destinaram a uma generalidade de indivíduos, mas a um público restrito formado pelos proprietários de veículos terrestres, aquáticos e aéreos”. 

“A possibilidade de conversão dos certificados ao portador da Petrobrás em ações preferenciais da companhia, também não implica em sua qualificação como valor mobiliário, mas sim como título de crédito conversível, que possibilitava a seu subscritor trocá-lo por um título de natureza diversa.” 

O processo foi questionado em outras oportunidades, mas a posição que se mantém é a de que as “obrigações estão vencidas no que toca ao resgate e reconhece as datas estabelecidas para cada série, não remanescendo qualquer dúvida em relação à inexistência de obrigação pecuniária.” 

Nada impede, no entanto, de o senhor Tartari tentar ganhar essa parada na Justiça.

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