Os bastidores da transposição por quem acompanhou o projeto

A transposição e o Brasil surreal dos rincões do Nordeste
Angela Belfort
Publicado em 11/03/2017 às 8:01
A transposição e o Brasil surreal dos rincões do Nordeste Foto: Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem


Artigo por Angela Fernanda Belfort

A transposição, o projeto das polêmicas, me revelou um pouco desse mosaico cultural, místico e surreal que é o Brasil. Em 2005, vi um frei católico entrar em greve porque era contrário ao projeto e escolheu como cenário uma pequena igrejinha a margem do São Francisco. Lá, o ministro judeu Jacques Wagner (do governo de Lula) chegou para convencer o religioso a suspender o protesto. Foi recepcionado pelos índios que fizeram um círculo ao redor dele: rezando e dançando. Os índios eram contra a iniciativa por achar que o São Francisco ia secar.

Ainda nessa greve de fome, entrevistei pessoas que pareciam ter saído do romance A Pedra do Reino, de Ariano Suassuna. Em romaria, visitavam o frei e não aceitavam que o homem podia mudar o curso de um rio. Em 2005, o governo federal começou a divulgar o detalhamento da transposição. Com essas informações, Eu e Jamildo Melo, na época também repórter de Economia, nos debruçamos sobre o projeto. Fizemos uma viagem pelos locais em que iam passar os dois canais. Fiquei com o Eixo Leste e Jamildo, com o Eixo Norte. Nessa viagem, escutei um secretário estadual da Paraíba dizer: “sem a transposição teremos que dessalinizar a água do mar. A pouca água do subsolo do Cariri paraibano está entre as pedras”.

Ainda na mesma viagem, cheguei ao açude Boqueirão, a 45 km de Campina Grande. O reservatório estava numa situação tão crítica que os pequenos agricultores que retirassem água para irrigação poderiam ser presos. Eles captavam a água clandestinamente. O Nordeste passava por outra grande seca. A proibição era para garantir o abastecimento humano em Campina Grande e cidades vizinhas. 

PELO CAMINHO

Nos caminhos do Eixo Leste, andei por rios intermitentes completamente secos. Senti o brilho dos olhos de sertanejos, que não acreditavam que seria construído um pequeno reservatório de água próximo às suas casas. Essa cobertura (a da greve de fome do frei) e a matéria (dos caminhos dos canais) me fizeram ver o quanto os rincões do Nordeste vivem em séculos passados. (A.F.B.)

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