Com mais de R$ 1 bilhão investido, a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás) entrou para a lista de estatais que desandaram, geraram prejuízo e estão sendo investigadas. A planta em Goiana, na Mata Norte do Estado, planejada para ser a âncora de um Polo Farmacoquímico, está 70% concluída, mas não é capaz de produzir hemoderivados.
O momento crítico, de ameaça de esvaziamento com a transferência da produção do fator VIII recombinante (produto de maior valor agregado), para a cidade de Maringá, no Paraná, é mais um impasse na história marcada por denúncias, erros da gestão pública e falta de investimentos da União.
Apesar de tantas notas negativas, é sempre importante frisar que a Hemobrás é de fundamental importância para a economia de Pernambuco. A estatal poderia tornar o Estado figura central do mercado de sangue brasileiro.
Atualmente, o Ministério da Saúde gasta mais de R$ 1 bilhão para obter e distribuir medicamentos hemoderivados por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). No projeto da planta em Pernambuco, está prevista a construção de duas fábricas, uma de plasmáticos para produção de seis medicamentos, como albumina e imunoglobulina, e outra para o fator VIII recombinante. Há acordos com o laboratório francês LFB e a empresa irlandesa Baxalta/Shire para fornecer os medicamentos, enquanto a tecnologia não é repassada. Entre os entraves para alcançar a autossuficiência, está o atraso de obras.
O cronograma foi interrompido várias vezes por indícios de irregularidades, como superfaturamento de contratos, além da falta de repasses da União. Em 2015, a Operação Pulso, da Polícia Federal, investigou fraudes em licitações e contratos de logística de plasma e hemoderivados, além da própria construção da fábrica. Dois anos depois, a empresa se vê em nova encruzilhada.
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, do PP, tem feito manobras para levar a empresa ao seu reduto eleitoral, Maringá. Em que pese a postura política, a ameaça a Pernambuco resulta de uma série de erros do passado, cometidos durante a gestão PT/PSB.
O Ministério da Saúde rompeu unilateralmente a Parceria para Desenvolvimento Produtivo (PDP) com a Shire, responsável pelo fornecimento do fator VIII recombinante, sob a alegação de que a empresa não vai transferir a tecnologia, mesmo sem terminar o prazo previsto para isso.
Em seu lugar, quer firmar contrato com a empresa suíça Octapharma e o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que propõem investir US$ 200 milhões para construir uma nova fábrica no Paraná, com o objetivo de produzir o fator VIII recombinante. “Já Pernambuco receberia US$ 250 milhões para finalizar a planta de plasmáticos, produtos que não geram lucro”, afirma o procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Marinus Marsico.
Na segunda-feira passada, em entrevista ao JC, Ricardo Barros foi enfático: “Se Pernambuco não aceitar nossa proposta, não tem problema. A Hemobrás encontra um forma de terminar a fábrica. Está se discutindo um problema que não existe. A solução está colocada”. “O problema da Hemobrás é que, nos anos anteriores, a União não cumpriu com os compromissos de implantação da fábrica. Quem causou o atraso foi o próprio Ministério da Saúde. Não cumpriu com requisitos de compra de remédio e não repassou dinheiro suficiente quando houve a variação cambial. Hoje, tem dívida de US$ 175 milhões com a Shire, excluindo juros e mora”, aponta o procurador Marsico.
Não só o governo federal tem participação na empresa. O governo do Estado detém 1% do quadro societário e tem o direito de fazer uma indicação para diretoria, atualmente ocupada por Marcos Arraes, tio do ex-governador Eduardo Campos. No entanto, as articulações para frear a posição do ministro estão somente nos bastidores. O confronto expôs o quão vulnerável está a empresa.
Durante audiência pública na Alepe, anteontem, a oposição cobrou uma postura mais incisiva do governador Paulo Câmara (PSB). O presidente Michel Temer (PMDB) também foi criticado pela postura do seu auxiliar, Ricardo Barros. Escalado para falar em nome do Executivo estadual, o secretário de Desenvolvimento Econômico e vice-governador, Raul Henry (PMDB), explicou que o Estado procurou o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, para tratar das movimentações do ministro da Saúde.
Por ora, a discussão está no campo político-administrativo. Não houve conversas para dar andamento às obras, mas medidas para evitar que Barros leve à produção do Fator VIII recombinante para Maringá. Segundo Henry, o ministro é motivado por interesses pessoais.
Mesmo diante das investidas fortes do ministro da Saúde, o governador Paulo Câmara (PSB) – interlocutor maior na hierarquia do Estado para tratar com o presidente da República – ainda não se pronunciou publicamente sobre o assunto, deixando tudo a cargo de Henry.