Em 1968, antigas lideranças do Movimento de Cultura Popular (MCP) deram início ao desejo de implantar uma entidade de desenvolvimento humano no Estado. Nascia o Centro de Integração Empresa Escola de Pernambuco (CIEE-PE), que nesta terça-feira (6) completou 50 anos e, hoje, é uma das principais formas de ingresso dos jovens no mercado de trabalho. Para Maria Inez Borges Lins, superintendente operacional da instituição, há avanços a serem comemorados, mas a luta pela inclusão “não tem fim”.
JORNAL COMMERCIO – O CIEE surgiu através de lideranças vindas do MCP. Quais são os ideais que a instituição ainda guarda do movimento?
MARIA INEZ BORGES LINS – Os ideais de liberdade, de autonomia, de luta e de conscientização. Foram com esses ideais que Germano Coelho (ex-prefeito de Olinda, fundador e primeiro presidente do MCP) mobilizou as pessoas que tinham atuado no movimento. Ele formou um grupo de professores, empresários e gente ligada ao mundo do trabalho para fundar o CIEE-PE, e todos queriam desenvolver um trabalho não só de libertação e de autonomia do nosso povo, mas também um trabalho de educação. Germano e Paulo Freire eram muito ligados e os dois concordavam que a gente não podia libertar o povo se o povo não tivesse consciência social. Tinha que ter formação, tinha que ter educação.
JC – O Brasil mudou muito nestes 50 anos e, consequentemente, o CIEE passou por muitas transformações. Qual é a principal bandeira que a instituição carrega cinco décadas depois?
MARIA INEZ – A bandeira número um que a gente tem que levantar ainda é a bandeira da educação. A gente trabalha para que as pessoas possam, elas mesmas, buscarem a sua sobrevivência, buscarem um lugar nesse espaço que é tão grande e no entanto tão restritivo para a maioria da população – principalmente para os jovens –, que é o mundo do trabalho. A gente trabalha e lida com um público que é o público mais atingido pela violência. Posso dizer que fazemos um trabalho preventivo.
JC – Vocês nasceram instalados em uma sala pequena na Faculdade de Direito do Recife. Qual a estrutura da instituição hoje?
MARIA INEZ – Geraldo Vieira, um de nossos sócios-fundadores, dizia que ‘o CIEE começou nos porões da Faculdade de Direito do Recife’. O reitor na época nos cedeu uma sala para trabalhar e nos cedeu também uma secretária chamada Hebe Pessoa de Queiroz, nossa primeira funcionária. E, com essa estrutura, Germano começou a realizar um grande sonho: criar uma agência de desenvolvimento humano. Ele pensava que, se existia a Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a gente precisava ter pessoas treinadas. Ele achava que a gente não veria a Sudene funcionar se as pessoas não fossem treinadas. E o CIEE cresceu muito desde então. Hoje, no prédio onde nossa sede está instalada, de um total de 48 salas, 31 são nossas. Temos uma unidade própria localizada na Rua do Progresso, na Boa Vista, temos um outro espaço próprio na Manoel Borba, também na Boa Vista, e estamos construindo mais um novo espaço no mesmo bairro. Além de estarmos presentes em outras dez cidades e cobrindo Pernambuco inteiro.
A gente não faz um décimo do que a gente poderia fazer se tivéssemos mais recursos.
Maria Inez Borges Lins
JC – Qual é a sua formação e como você chegou ao CIEE-PE?
MARIA INEZ – Eu sou formada em Ciências Sociais e fiz mestrado em Desenvolvimento Urbano e Regional. Cheguei ao CIEE há 20 anos e ingressei na instituição para trabalhar no controle da qualidade do trabalho desenvolvido aqui. Na época, ainda não existia o programa de aprendizagem. Hoje, posso dizer que exerço plenamente a minha função de socióloga. Eu trabalho o tempo todo com gente, com pessoas de várias classes sociais e com os mais variados desejos.
JC – Pernambuco não foi o primeiro Estado a receber uma unidade do CIEE. Como a instituição chegou aqui?
MARIA INEZ – Germano era professor da Faculdade de Direito e estava num seminário no Rio Grande do Sul. No evento, estava se discutindo muito sobre como as pessoas eram treinadas para o exercício de determinadas funções. E ele comentou que aqui em Pernambuco os estudantes de Direito, que foi o curso que ele fez, saíam da faculdade e não sabiam sequer fazer uma petição. Ele defendia que isso seria possível se os estudantes tivessem tido oportunidade de treinar nos ambientes de trabalho. Quando ele falou isso, alguém disse: se o senhor passar por São Paulo, vai encontrar uma entidade que faz esse trabalho. E foi aí que, do Rio Grande do Sul, ele foi direto pra São Paulo. Chegando lá, ele procurou o frade que era fundador do CIEE no Brasil e ele autorizou que Germano instalasse em Pernambuco um CIEE autônomo. Aqui, já foi fundado não como um escritório da instituição de São Paulo, porque isso Germano não aceitaria - ele sempre teve muito espírito de autonomia, muito espírito libertário. E aí ele escolheu o dia 6 de março para a fundação do CIEE no Estado. Por quê? Porque era o dia que se comemorava a revolução de 1817. E então a gente ficou com essa marca, indelével, essa ligação intrínseca com a luta pela melhoria das pessoas, a luta pela oportunidade, pela abertura de oportunidades para as pessoas.
JC– Qual é o público do CIEE?
MARIA INEZ – A maioria do público que a gente atende está na faixa etária que vai de 14 a 24 anos. Eles estão divididos de duas formas: há a parcela que ingressa na vida profissional a partir dos 14 anos, pelo programa Aprendiz Legal, e há o grupo que a partir dos 16 anos ingressa pelos programas de estágio.
JC – Vocês enxergam a transformação que os programas de estágio, de aprendiz e de qualificação gratuita (uma das propostas da instituição) provocam na vida desses jovens?
MARIA INEZ – Hoje a gente tem, aproximadamente, 12 mil estudantes fazendo estágio, outros 3 mil no programa de aprendizagem e devemos ter atendido, em 2017, entre 6 e 7 mil pessoas nos programas de qualificação gratuita. Com esse trabalho, a gente dá oportunidade para o jovem continuar nas escolas e, quando é universitário, até mesmo a pagar as mensalidades. Além disso, mais de 70% dos jovens usam a bolsa que recebem para melhorar a renda da família. Com essa perspectiva, a gente vê que está no caminho certo. A gente coloca o jovem no mundo do trabalho e eles se sentem cidadãos.
JC – Quais são os entraves que vocês precisam superar para manter o crescimento dos últimos anos?
MARIA INEZ – Nós somos uma entidade filantrópica e alguns órgãos de fiscalização querem restringir nossa luta pela integração ao trabalho dizendo que o estágio é só aprendizado, que o estágio não é uma atividade social. No entanto, a integração ao mercado de trabalho é uma atividade constitucional, está na Constituição. Podemos dizer que nós completamos a ação do Estado. Porque o Estado só não dá conta de tanta demanda. Nós batemos nas portas da empresas, das organizações, pedindo oportunidades para os jovens – seja através do estágio seja através da aprendizagem. E isso é uma luta que não tem fim. A gente não faz um décimo do que a gente poderia fazer se tivéssemos mais recursos. O que a gente precisa ter é apoio. Apoio da sociedade, apoio de órgãos públicos e apoio do Estado.