Charles Gomes de Paiva diz que sempre teve vocação para o comércio de confecções. Ganhava a vida vendendo réplicas de camisetas de marcas famosas, mas uma coisa nos produtos despertava inquietação. “Percebi que todas as camisetas tinham o símbolo de um animal. Eu sempre fui fã do jeguinho, sou do Nordeste e vim da roça, o transporte que a gente tinha era o jumento. Em 2009, desenhei o símbolo, fabriquei dez camisas, viajava nas festas, saía divulgando, pedia aos cantores que me ajudassem, dizia que o futuro a Deus pertence. Não tinha como não dar certo”, comenta. E deu.
Hoje, o símbolo do jumento da marca Donkey se espalhou pelo País. Um ano depois de a primeira loja ter sido inaugurada em Petrolina, no Sertão do Estado, Charles já conta com dez franquias (duas ainda serão abertas até o fim deste ano), incluindo duas em Cabrobó e Serra Talhada(PE) e outras no Ceará, Minas Gerais, Sergipe e Bahia. Para 2019, a expectativa é abrir entre 20 e 30 novas lojas e aumentar em 60% a produção.
Hoje, a Donkey produz 3,5 mil camisetas por mês. O portfólio inclui também calça jeans, shorts, bermudas, bonés, sapatos, botas e copos, produzidos em fábricas terceirizadas no Rio Grande do Norte, Minas Gerais e Bahia. No próximo ano, Charles espera contratar de 15 a 20 pessoas, para somar aos dez funcionários diretos que possui hoje.
A trajetória de sucesso começou com a relação afetiva com o jumento. Quando era jovem, na fazenda em que nasceu e foi criado em Abaré, na Bahia, o animal transportava água, lenha e era a única forma de transporte até uma vila mais próxima, que fica a 12 quilômetros de distância. “O jumento é o símbolo do Nordeste e carregou Jesus Cristo. Devido à divulgação nas redes sociais, as pessoas gostaram da ideia e vieram atrás para fazer parcerias. Pela internet, vendi para quase todo o Brasil, menos Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Já vendi até para fora do País”, conta. Além das lojas físicas e das redes sociais, a Donkey também conta com vendedores que trabalham de porta em porta em todo o Nordeste, espalhando a “marca do jeguinho”, como a empresa é conhecida.
O sentimento de Charles pelo animal é de gratidão. Na fazenda em que foi criado, mantém dois jumentos. “Primeiro, veio a bicicleta e as pessoas abandonaram (o jumento), estão esquecendo as tradições. Na minha casa, isso não aconteceu. A frente da minha loja é toda de taipa, toda regional”, comenta Paiva, orgulhoso. Este ano, registrou crescimento de 32% no faturamento. E para 2019, espera que o resultado seja ainda melhor. A abertura de cinco lojas em 2019 já está confirmada em Pernambuco, Ceará, Bahia e Sergipe. Para abrir um estabelecimento da marca, o investimento pode chegar a R$ 70 mil, a depender do porte da loja.
Se depender de Charles, o jumento sempre será valorizado. Ele é um dos personagens série Na Contramão, produzida em parceria pela Rima Cultural e a REC Produtores. Os episódio serão exibidos nos dias 12, 13 e 14 deste mês, às 21h, na TV Pernambuco. A série mostra o caminho de marginalização percorrido pelo jumento e as múltiplas realidades que envolvem o animal. Em pouco mais de 10 anos, a população de jumentos caiu quase pela metade: 655 mil, em 2016, para 377 mil em 2017. Hoje, 90% dos jumentos estão no Nordeste. Ao mesmo tempo em que perdeu espaço com o uso mais frequente da moto nas fazendas é considerado uma praga em algumas localidades, o jumento é objeto de um suposto tráfico de pele. Mas também há pessoas como Charles que não abrem mão de ter o “jeguinho” ao lado. O leite da jumenta também é fonte de renda para outros criadores.
“Um ponto de partida foi a curiosidade. Em viagem pelo Sertão, vi muitos jumentos mortos na beira de estrada. Isso me despertou a curiosidade jornalística. Por que só havia jumento morto na estrada? Que fenômeno é esse que leva os animais a estarem soltos e expostos ao atropelamento? Uma primeira hipótese da gente foi a mecanização, a motocicleta que entra no lugar do jumento. Quando fomos mergulhando, descobrimos muito mais. Há suspeita de contrabando de pele porque havia a coisa de medicamento que é fabricado na China, onde há redução muito grande de jumentos. A gente percebeu que o animal estava sendo tratado quase como uma espécie de praga porque perdeu completamente o valor de uso. Encontramos situação de jumentos que tinham donos, eram quase casos pitorescos”, explica o jornalista e um dos roteiristas da série, Ricardo Mello. A equipe da série também conta com roteiro de Rafael Marroquim, direção de Marcelo Pinheiro e fotografia de Ivanildo Machado. Sem destino, o jumento acaba livre, buscando o calor do asfalto para se esquentar e correndo o risco de ser atropelado, ou fica preso em fazendas de confinamento.
“O jumento é um animal andarilho e muito sentido. Quando fica confinado, entra em depressão. Esse confinamento leva à morte”, comenta Mello. “O jumento está na contramão da estrada e da história”, complementa, explicando o título da série.
Além dos episódios na TV, Na Contramão ganhará uma versão em jogo digital, produzida pela empresa pernambucana Kokku Games. Voltado para o público infantil (8 a 12 anos), o Donkey Blast – Na Contramão traz detalhes sobre o jumento e seus hábitos, a partir da interação da garotada com filhotes virtuais.