Negócios passados de pai para filho mexem com o mercado no Recife

Empresas familiares precisam de cuidado na hora da sucessão para o negócio não desandar
MARÍLIA BANHOLZER
Publicado em 11/08/2019 às 7:10
Empresas familiares precisam de cuidado na hora da sucessão para o negócio não desandar Foto: Fotos: Brenda Alcântara/JC Imagem


"Tenho humildade para dizer que preciso passar o bastão". É assim que o médico fundador da rede de clínicas de diagnóstico por imagem, Boris Berenstein, 69 anos, enxerga o processo de transição para o que ele chama de "aposentadoria". Segundo ele, haja o que houver, em 2020 deixará a presidência para curtir a vida com a família, dedicar-se a novos projetos e hobbies. Para isso, o empresário vem preparando seu filho mais velho, Leon Berenstein, 39 anos, para assumir sua cadeira à frente dos negócios da família.

"Sempre tive o sonho de ter uma clínica, mas felizmente a realidade foi maior do que o sonho", contou. Em 1988 foi fundada a primeira clínica Boris Berenstein, na unidade do bairro do Derby. Há nove anos, quando completou 60 anos de idade, Boris decidiu que precisava se preparar para a aposentadoria. "Acordei pensando que eu era mortal e não imortal. Então comecei a preparar o processo de sucessão patrimonial. Tenho preparado meus filhos para a continuidade dos negócios." São quatro – Leon, Leila (37), Artur (25) e Sofia (24) –, mas segundo Boris não foi necessário escolher quem seria o próximo presidente da empresa, já que seu primogênito sempre se mostrou interessado em assumir tal papel.

"Toda criança tem um herói. Quando era pequeno e pensava em ser médico, não era como o tradicional, com um estetoscópio ou na sala de cirurgia. Mas sim fazendo exame de imagens, como meu pai”

Leon Berenstein, médico radiologista

Leon Berenstein, assim como o pai, é formado em medicina com especialização em radiologia. Segundo ele, não houve pressão para que seguisse tais passos, mas admite que houve ansiedade e medo quando chegou o momento de assumir as responsabilidades. "Sempre sonhei em trabalhar na clínica que vi meu pai construir, mas havia uma grande ansiedade e medo como seria essa relação. Mas quando realmente aconteceu, tive uma grande surpresa. Meu pai era muito mais louco do que eu imaginava. Descobri que ele é arrojado, moderno e corajoso."

Atualmente, enquanto Boris Berenstein ainda segue à frente dos negócios, Leon atua como diretor médico da rede. Aos poucos, no entanto, são conferidas ao filho responsabilidades gerenciais. "Discordamos de maneira respeitosa. Às vezes bato no peito e assumo algumas responsabilidades. Nunca tivemos uma briga ou clima ruim. Essa transição está sendo excelente", afirmou Leon Berenstein.

Empresa familiares

Hoje, 90% das cerca de 8 milhões de empresas no Brasil são comandadas por famílias e tais empreendimentos impactam diretamente na economia do País. Segundo o IBGE, essas companhias representam 65% do PIB, além de empregarem 75% dos trabalhadores brasileiros. O problema é que, segundo pesquisa da consultoria PwC, cerca de 75% das empresas familiares no Brasil fecham após serem sucedidas pelos herdeiros e apenas 7% chegam à terceira geração.

"A sucessão de pai pra filho é mais simples. Mas a cada geração vai ficando mais complexa. Por isso, soluções como gestão mista de executivos e familiares, ou governança corporativa têm sido uma luz no futuro das empresas familiares", analisou o consultor Antônio Jorge Araújo, sócio da AJA Gestão & Governança.

Batalha pela sucessão

Confiante na longevidade de seu negócio familiar, o empresário Mario Jorge Carvalheira já pensa em aposentadoria, mas garante que, como seu negócio é "muito específico", não há motivos para se preocupar com o fechamento precoce. Há 28 anos ele abria a primeira loja da McDonald's em Pernambuco. Localizada na estacionamento do Shopping Recife, a unidade foi o pontapé inicial de uma rede de 12 franquias.

Após a consolidação do sucesso, há cinco anos, ele prepara um dos seus sete filhos para a sucessão. Mas, por se tratar de uma franquia, não basta o desejo do pai, ou do filho, para que o processo seja realizado. "Comecei a pensar nisso há cerca de sete anos durante uma reunião com os representantes da McDonald's. Como a concessão dura 20 anos, eles me perguntaram se eu já havia pensado em quem tocaria os negócios quando chegasse a hora. O detalhe é que a McDonald's precisa aprovar e capacitar o escolhido", lembrou Mario Jorge.

Com sete filhos, a escolha do sucessor foi democrática. Os familiares foram perguntados sobre quem tinha interesse em assumir a empresa que administra as franquias. "Três pessoas se mostraram interessadas. Foi aí que contratamos um coach, que avaliou as habilidades e apontou o Cláudio como o mais indicado. Os demais aceitaram e ele foi escolhido por unanimidade", detalhou Mario Jorge.

Mario Jorge e Claudio estão acertando os últimos detalhes antes da sucessão

Ele ainda completou: "Estou tranquilo de ver meu filho assumindo a gestão do negócio que construí ao longo dos anos". Mario Jorge disse que ainda não bateu o martelo de quando deixará o negócio com seu filho, mas planeja que a troca será em 2022, quando ele celebrará 75 anos e seu negócio completará três décadas.

"Foi um processo desafiador, cheio de altos e baixos, mas agora me sinto preparado, respeitado e muito feliz pelas escolhas que fiz." A afirmação é de Claudio Pragana, 41 anos, eleito o sucessor de Mario Jorge Carvalheira, à frente das 12 unidade da McDonald's em Pernambuco. Diferente de outras empresas familiares em que bastaria ser o filho para ser escolhido, no caso de Claudio foi preciso passar por uma avaliação profissional e da própria empresa.

"Esse processo começou há cerca de 7 anos. Fui eleito pela família, treinado na empresa em São Paulo por 10 meses, voltei e me senti testado diariamente por mais uns 18 meses. Hoje sinto que conquistei o respeito, mas, no começo, me cobrei muito. Se eu não fosse aprovado, nem um dos meus irmãos, o negócio dos meus pais teria que ser vendido. Agora me cobro para seguir progredindo, pois sei que é uma empresa familiar e que muitos dependem dela", contou Claudio. Prestes a assumir os negócios, o sucessor começou a prestar pequenos serviços na loja dos pais quando ainda tinha 15 anos, e segue aprendendo e evoluindo no negócio.

90% das cerca de 8 milhões de empresas no Brasil são comandadas por famílias

Não é simplesmente passar o bastão

Para o consultor Antônio Jorge, um dos principais problemas gerados pelo processo de transição de poder em empresas familiares é a escolha do sucessor, quando o sucedido tem muitos filhos. "É um dos principais dilemas mas, em geral, é escolhido aquele que se mostra atento aos negócios, que se qualifica para o cargo, consegue ter bom relacionamento e, principalmente, já participa das rotinas da empresa".

Além do "estar dentro", é importante se capacitar e entender que o ambiente familiar é diferente do de negócios. "O aprender fazendo é natural. Historicamente é assim que os sucessores começam a se preparar. Mas hoje, a tendência é que os jovens de famílias empresariais têm investido em qualificação para participar dos negócios. Isso ajuda, inclusive, a aprender a lidar com a autoridade conquistada, e saber dividir casa e trabalho", concluiu o consultor Antônio Jorge.

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