Desemprego derruba qualidade de vida da classe média

Parcela da população empobreceu vertiginosamente nos últimos anos em Pernambuco
Ciara Carvalho
Publicado em 01/12/2019 às 7:03
Parcela da população empobreceu vertiginosamente nos últimos anos em Pernambuco Foto: Foto: Brenda Alcântara/JC Imagem


Renda mensal de R$ 15 mil, empresa com oito empregados, viagens com a família pelo Brasil nas férias de janeiro e julho, plano de saúde, gastos com restaurantes nos fins de semana. A vida confortável que o então empresário Cleverson Lopes Pereira, 53 anos, levava até 2014 evaporou-se em menos de um ano. No final de 2015, em plena recessão econômica, ele havia perdido todos os clientes, fechado a empresa, dado adeus ao plano de saúde e amargava uma dívida com bancos, cartões de crédito e agiotas no valor de R$ 200 mil. Desempregado, a saída foi virar motorista de aplicativo. Era isso ou nada. Dirigindo o próprio carro, o ex-empresário hoje trabalha 10 horas por dia para conseguir uma renda de R$ 2.500. Só não teve as contas de casa cortadas, como luz e água, porque a esposa assumiu as despesas. Cleverson é o retrato de uma população que empobreceu vertiginosamente nos últimos anos em Pernambuco. Ele mora na região, no Estado e na cidade cujas taxas de desemprego então entre as mais altas do Brasil.

É o pior dos cenários. O Nordeste não só é o pedaço do País com o maior percentual de pessoas sem emprego, como é a região onde se pagam os menores salários. Tanto que Cleverson, nesses últimos quatro anos, até conseguiu arrumar um trabalho, mas a remuneração não chegava a R$ 1.500. “Era inviável pra mim ganhar tão pouco. Se já vivo no sufoco hoje, imagina recebendo R$ 1 mil a menos. Prefiro continuar me virando com as corridas de aplicativo, enquanto não aparece uma oportunidade de trabalho melhor”, afirma. Os três filhos do casal só não precisaram deixar a escola particular porque a esposa de Cleverson é professora e tem direito à gratuidade das crianças na escola onde trabalha. “A renda que ganho hoje não conseguiria pagar sequer a mensalidade dos três”, diz.

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Os desempregados no Nordeste somam 12,8% da população, taxa bem acima da média brasileira, que ficou em 11,8%, no terceiro trimestre deste ano, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pernambuco também não aparece bem no mapa do emprego. É o terceiro Estado com maior percentual de pessoas sem ocupação, com quase 16% da população economicamente ativa sem trabalho. Pior desempenho teve o Recife, que ficou com o maior índice de desemprego entre as capitais brasileiras. No terceiro trimestre de 2019, a taxa da cidade chegou a 17,4%. Quando o recorte é metropolitano, o quadro se agrava ainda mais. O Grande Recife tem o pior índice de desempregados, em comparação com todas as regiões metropolitanas do País. São 595,67 mil pessoas, o que equivale a 18,1% da população economicamente ativa da RMR.

QUEDA NA RENDA

Se a renda média do pernambucano encolheu nos últimos anos, a do recifense caiu mais ainda. Levantamento feito para o Jornal do Commercio pelo Grupo de Métodos de Pesquisa em Ciência Política, ligado à Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mostra que a renda na capital sofreu uma redução de cerca de 20% no comparativo entre os anos de 2012 e 2018. “Desemprego e taxa de informalidade em alta e renda em baixa são os indicativos mais fortes da fragilidade econômica que estamos atravessando. Quadro que se observa de forma ainda mais acentuada no Recife, o que só reforça a necessidade de políticas públicas setorizadas para enfrentar esse problema”, afirma Dalson Figueiredo, que comanda o grupo de estudo da UFPE.
Utilizando um modelo estatístico, os pesquisadores projetaram a taxa de desemprego para 2020. Apesar de variações positivas pontuais, o cenário não chega a ser promissor, já que aponta para uma estabilidade das altas taxas de desemprego no próximo ano. “De acordo com as nossas estimativas, a falta de emprego no Brasil deve chegar ao mínimo em dezembro (11,34%) deste ano e retornar para um patamar próximo de 12% em janeiro de 2012”, explica Dalson Figueiredo, destacando que a projeção é feita levando em consideração que o atual cenário não sofrerá mudanças bruscas na economia.

A queda no padrão econômico das famílias, especialmente na classe média, tem provocado uma crescente deterioração da qualidade de vida dos pernambucanos. Diante da perda do emprego ou submetidos a salários muito baixos, os trabalhadores são obrigados a fazer cortes no orçamento que impactam diretamente os investimentos em saúde e educação.
No caso de Janaina Melo, 41, a queda na renda obrigou a família a mudar até de endereço. Ela e as duas filhas adolescentes moravam numa casa grande, com quintal e churrasqueira e, há cerca de um ano, precisaram reduzir o custo com aluguel. Resultado: foi preciso trocar de bairro e hoje a família mora numa residência pequena, numa comunidade da Zona Oeste do Recife.

“Foi um baque muito grande. Ainda estamos nos recuperando, tentando nos adaptar a essa nova realidade”, diz Janaina, que atua no serviço público. Os percalços começaram em 2015, quando ela ficou desempregada pela primeira vez. Depois, ao conseguir um novo emprego, o salário já não acompanhou o antigo padrão. Novamente veio o desemprego e ela ficou sem renda durante nove meses. De volta ao mercado de trabalho, novo baque de salário. “O único jeito foi sair cortando tudo. Não só para manter as despesas da casa, como também para conseguir ir saldando dívidas que foram adquiridas no período em que fiquei desempregada”, conta.

Em meio aos tantos ajustes na família, as duas filhas tiveram que deixar o colégio particular onde sempre estudaram. Primeiro Juliana, 15, que está há três anos numa escola de referência da rede estadual. Depois, no ano passado, foi a vez de Julia, 16. As jovens confessam que sentiram um grande impacto no início, mas hoje avaliam até de forma positiva a mudança de colégio. “Logo de cara, eu fiquei muito assustada. Por sorte, outra amiga que estudava no meu colégio também entrou na mesma escola pública. Hoje vejo que a gente vivia numa bolha, numa condição social que não nos deixava enxergar bem a realidade. Eu percebi que era uma privilegiada”, afirma Juliana. Julia, a irmã mais velha, diz que a nova condição financeira da família despertou uma consciência em relação aos gastos, o que terminou unindo ainda mais as três. “É uma questão de sobrevivência. A gente aprende a lidar melhor com as contas. E descobre também que não somos os únicos que estamos passando por isso. São muitos os que enfrentam essa mesma situação. E fazem isso de cabeça erguida”, ressalta a jovem.

De fato, contam-se aos milhares os pernambucanos que, diante da crise econômica, tiveram que abrir mão de serviços privados de educação e saúde, além de gastos com lazer e bens de consumo. Só nos últimos quatro anos, cerca de 160 mil pessoas deixaram de ter acesso a planos de saúde no Estado. O impacto é sentido diretamente no atendimento prestado no serviço público. “A demanda no Sistema Único de Saúde (SUS) cresceu em todas as áreas. Por uma combinação de fatores, como o envelhecimento da população e o aumento da própria oferta da rede. Mas é certo que a perda de usuários de plano de saúde contribuiu muito para esse aumento do número de atendimentos”, avalia o secretário estadual de Saúde, André Longo.

A conta não é diferente na área de educação. Desde 2013, a média de alunos matriculados na rede estadual de ensino, oriundos das escolas privadas, gira em torno de 22,5 mil estudantes por ano. No Recife a migração já soma, nos últimos sete anos, mais de 16 mil alunos. Para se ter uma ideia, o total de estudantes vindos da rede privada matriculados este ano nas escolas da capital é sete vezes maior do que o observado em 2013. Pulou de 627 alunos para 4.558. Um número que não para de crescer.

A alta taxa de desemprego no País

Dados do IBGE são referentes ao terceiro trimestre de 2019

Brasil - 11,8%

Nordeste - 12,8%

Pernambuco - 15,8%

RMR - 18,1%

Recife - 17,4%

 

Sem acesso a serviços privados

Educação

Em Pernambuco, nos últimos 7 anos, uma média de 22,5 mil alunos vindos de escolas privadas se matricularam, a cada ano, na rede estadual de ensino

2013 - 23.041 alunos

2014 - 20.868 alunos

2015 - 21.781 alunos

2016 - 23.708 alunos

2017 - 23.848 alunos

2018 - 21.580 alunos

2019 - 23.014 alunos

No Recifel, o número de estudantes vindo da rede privada matriculados em 2019 nas escolas da capital é sete vezes maior do que o observado em 2013

2013 - 627 alunos

2014 - 638 alunos 2015 - 749 alunos

2016 - 998 alunos

2017 - 4.475 alunos

2018 - 4.185 alunos

2019 - 4.558 alunos

Saúde

Quase 160 mil pernambucanos deixaram de ter plano de saúde nos 6 anos

2014 - 1.494.631 usuários

2015 - 1.396.518 usuários

2016 - 1.367.943 usuários

2017 - 1.335.047 usuários

2018 - 1.346.799 usuários

2019 - 1.335.799 usuários

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emprego pobreza classe média RENDA desemprego
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