Multidões fantasiadas pelas ruas, desfiles de carros alegóricos e festas animadíssimas sem hora para acabar. Celebrações tradicionais, eleição do Rei Momo e da Rainha do Carnaval. Inversão de papéis, roupas provocantes e muita criatividade na crítica social e política. Bailes privados, percussão, samba e marchinhas. Penas, glitter e paetês. Várias semanas de prévias, cerveja em abundância e uma nostalgia sem fim quando chega a quarta-feira ingrata pra contrariar.
Uma voltinha pelo mundo no período momesco revela que nem só brasileiro tem "carne de Carnaval". Da Península Ibérica a Moçambique, da França, Alemanha e Itália à Colômbia, dos Estados Unidos ao Uruguai, o coração folião é igual. Ainda entram nessa lista o Japão, na Ásia, e muitos outros países africanos e ilhas caribenhas para provar que aos primeiros acordes de fevereiro a alegria se espalha pelos quatro cantos do planeta.
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Qualquer semelhança com as nossas festas não é mesmo mera coincidência. Isso porque os desfiles carnavalescos chegaram ao Brasil no século 17, por influência de tradições europeias, como o entrudo português e as mascaradas italianas. Bem mais tarde, no século 19 e início do 20, somaram-se os elementos africanos que contribuíram definitivamente para a originalidade do nosso Carnaval.
E por falar em originalidade, bairrismos à parte, neste 9 de fevereiro, Dia do Frevo, é preciso exaltar o ritmo, este sim, genuinamente pernambucano. Conta-se que nasceu no século 19 no Recife, pós-abolicionismo e no contexto do surgimento de uma nova classe operária. A sociedade fervia e o frevo traduzia esse frenesi, hoje compartilhado com gente de toda parte.
Pode até ser difícil deixar Pernambuco ao som dos clarins de Momo, mas se é para estar fora do Estado no Carnaval, pelo menos que seja em terras onde a turma também entra na folia, meu bem.
Por Giacomo Malatresi, professor de história italiano, que vive em Pádua, vizinha a Veneza
O Carnaval de Veneza é uma tradição com mil anos de história. Apesar de se renovar a cada ano, mantém algumas celebrações antigas, como a “fuga do anjo”, que abre o Carnaval, e as máscaras da Commedia dell'arte, a mais famosa das quais é a do arlequim. O principal ponto de encontro para quem quer comemorar é definitivamente a Piazza San Marco, onde você pode conhecer as roupas mais bonitas e preciosas. Mas concertos e outros eventos artísticos acontecem em vários lugares da cidade.
A área da Bienal de Veneza é dedicada durante o dia às crianças, com programação especial. À noite, transforma-se em uma discoteca. Por toda a cidade, os bares típicos, chamados “bancari”, oferecem comida barata e uma grande variedade de vinhos. O Carnaval de Veneza não é muito noturno, mas o concerto no último sábado de Carnaval, muitas vezes gratuito, na Piazza San Marco, é um compromisso importante.
No entanto, é possível encontrar eventos alternativos, frequentemente de música reggae. Domingos são os melhores dias para as famílias. Existem muitas lojas que vendem máscaras artesanais; é aconselhável gastar algum dinheiro extra para comprar uma máscara de boa qualidade feita por um verdadeiro artesão. A cidade não possui carros, por isso é possível relaxar e apreciar sua atmosfera enquanto caminha.
Por Jaime Abello Banfi, colombiano e diretor da Fundação Gabriel García Márquez
“Eles dançam nas ruas à noite, dançam nas ruas durante o dia”, canta Shakira no Carnaval de sua terra, Barranquilla, o porto-cidade de quase dois milhões de habitantes localizado ao norte da América do Sul, no ponto em que o rio Magdalena deságua no Mar do Caribe.
A maior festa pública da Colômbia é um turbilhão de alegria coletiva, que começa a crescer desde a abertura da temporada de Carnaval, por volta de 20 de janeiro, até transbordar nos quatro dias anteriores à Quarta-feira de Cinzas, com um clímax na Batalha de Flores, no sábado de Carnaval.
Uma jovem rainha proveniente da elite social e o Rei Momo, de origem popular, presidem desfiles massivos com milhares de brincantes fantasiados em grupos de congos, cumbiambas e outras danças folclóricas e de fantasia, que denotam a miscigenação triétnica, com forte influência africana, deste festival popular, declarado pela Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) como Patrimônio Oral e Imaterial da Humanidade.
Quem o vive é quem o desfruta, proclamam com orgulho os barranquilleros, que por esses dias acolhem fraternalmente milhares de turistas de todo o mundo.
Por Carlos Diogo Santos, jornalista lisboeta
Em países onde Carnaval não é calor e, por isso, não é samba nem dias inteiros nas ruas a beber cervejas com amigos, as máscaras são mais pesadas e quentes, impera a sátira e a diversão está sempre dependente da chuva. Aqui no Hemisfério Norte, há um país que vai desafiando a lógica, com cidades a apostar na tradição mais europeia e outras a enfrentar o frio. Se por um lado em Torres Vedras (foto) desfilam os típicos carros alegóricos portugueses, carregados de sátira política e social (nacional e internacional) e passeiam as conhecidas matrafonas (homens que se vestem de mulheres, mas sem qualquer tentativa de ficarem mais sexy), pela marginal de Sesimbra a festa é ligeiramente mais despida – e conta com as suas escolas de samba e grupos de axé.
Por aqui, não há semanas e semanas de festa, nem um país que se divide em blocos. Mas os dois ou três dias que vivemos a data podem ser intensos: além de Torres Vedras e Sesimbra, há festas em Ovar, Funchal, Estarreja ou Loulé. E não se pode esquecer também os carretos da aldeia de Podence, que em dezembro foram distinguidos pela Unesco como Patrimônio Cultural da Humanidade.
Mas como em tudo na vida de quem vive em países frios é preciso ter alguma sorte à mistura: no ano passado, quase todos os desfiles foram cancelados devido ao mau tempo – o que causou um prejuízo de muitos milhares de euros às organizações.
Por John Barrett, Cônsul Geral dos Estados Unidos no Recife
Nenhum lugar tem um Carnaval como o Brasil. E digo isso porque já tive a sorte de brincar Carnaval no Recife e no Rio de Janeiro. Mas talvez muita gente não saiba que nos Estados Unidos também existe uma cidade, Nova Orleans, no Estado da Louisiana, onde há um festival – o Mardi Gras – que compartilha das mesmas tradições culturais e religiosas, e o mesmo espírito vibrante do Carnaval brasileiro.
Eu não esqueço como me senti no Mardi Gras, aproveitando os desfiles, festas de rua e o sabor da culinária Cajun. Os ritmos musicais do jazz, blues e do zydeco contam a história de muita influência da Europa e África na região. A festa dura quatro dias e se encerra na Fat Tuesday (sim, também chamamos de Terça-feira Gorda!), quando começa o período da Quaresma.
No ano passado, 1,2 milhão de pessoas celebraram o Mardi Gras em Nova Orleans, o que representa mais que o triplo do número de habitantes da cidade. Um número muito semelhante ao da multidão que brinca o Carnaval no Recife – ainda me impressiono com o número de foliões que acompanham blocos como o Galo da Madrugada!
Festivais como o Carnaval e o Mardi Gras são uma oportunidade para os países celebrarem suas heranças culturais e de compartilharem essa riqueza com o mundo. Então, neste Carnaval, quando você comer uma feijoada, tomar uma caipirinha e dançar frevo, lembre-se que logo ali em Nova Orleans, foliões vão comer jambalaia, tomando um Hurricane Cocktail e assistindo o desfile Krewe. Bom Carnaval!
Por Michael Zierz, analista de sistemas, alemão radicado no Recife desde 1996
Hoje é 11 de novembro. Um dia como qualquer outro. Mas não em Colônia. Se você não quiser trabalhar hoje, vá para a cidade velha de Colônia, mais precisamente para o Alter Markt (mercado velho). Lá, a “quinta temporada”, o Carnaval, será aberto no dia 11 de novembro, às 11h11. Trata-se de um enorme espetáculo com quase 100 mil pessoas reunidas, cantando e balançando ao som de Kölsche Lieder (canções de Colônia).
A partir deste dia, não apenas nos finais de semana, mas de sexta a domingo, há eventos nos salões dos festivais, que estão sempre esgotados.
Na quinta-feira antes do período de Carnaval de fato, começa o Carnaval das Mulheres (Weiberfastnacht). A partir desse dia até a Quarta-feira de Cinzas (Aschermittwoch), o mercado de trabalho em Colônia está inativo. Quem trabalha nesses dias viola a “Lei da Constituição de Colônia”.
Se você sair de casa com uma gravata no Carnaval das Mulheres, precisará comprar uma nova após a festa. Porque ela será cortada a faca, no primeiro encontro com as mulheres. Porque no dia das mulheres, elas dominam os homens. Os bancos estão abertos a “seus clientes” até o meio-dia. Há cerveja grátis sem limite para os presentes com ou sem conta bancária!
Depois, a festa continua nas ruas, em pubs ou restaurantes. Grandes empresas internacionais e escritórios têm dias abertos. Isso significa que existem grandes eventos internos de Carnaval, com as bandas de música locais que tocam canções de Carnaval no dialeto de Colônia. Os ingressos para os eventos de Carnaval nas companhias privadas ou órgãos do município são vendidos com semanas de antecedência. Os carnavalescos não dormem em Colônia durante essa festa. O amor também é um efeito colateral bem-vindo. Muitos novos casos de amor nascem de novo nos dias de Carnaval.
Sábado e domingo é o Carnaval de rua nos distritos e subúrbios de Colônia. Clubes de Carnaval nos distritos ou subúrbios percorrem as ruas e jogam flores, chocolate e doces para o público, que usa guarda-chuvas abertos como uma tigela para coletar o maior número possível de doces.
Segunda-feira é o grande final, o desfile de Carnaval pelo centro da cidade de Colônia. Toda a reportagem da mídia vive do espetáculo, que dura várias horas e é assistida por milhões de pessoas nas ruas e na frente das telas em casa.
Se você ainda tem energia, pode admirar os pequenos desfiles de Carnaval que acontecem na terça-feira nos subúrbios da cidade. A noite pertence à música e à dança novamente, porque na manhã seguinte é Quarta-feira de Cinzas e tudo acaba.
Por Jaqueline Barros, jornalista recifense radicada em Sevilha
A Espanha é um dos países mais animados da Europa e no Carnaval não poderia ser diferente. Pessoas de todas as idades se juntam, fazendo dessa comemoração um acontecimento imperdível para qualquer pessoa que estiver no país nessa época do ano.
Durante as festas carnavalescas, o humor, a paródia e as fantasias invadem as ruas das cidades e povoados de toda a Espanha.
Mas antes de fazer as malas, é preciso saber que o Carnaval espanhol não tem nada a ver com o ritmo do Carnaval brasileiro. Porém, assim como no Brasil, aqui há diferentes Carnavais, cada uma com suas próprias tradições.
As maiores festas estão em Las Palmas de Gran Canaria, Santa Cruz de Tenerife – um dos carnavais mais importantes do mundo, também declarado de Interesse Turístico Internacional – e Cádiz (Andaluzia), conhecido pelas músicas cheias de ironia e crítica.
Também estão as festas da Galícia, Badajoz e de Sitges (Barcelona).
Tanto em Sevilha, como em Huelva, na região de Andaluzia, onde participei das festas, o Carnaval é de rua, no estilo de Olinda, e bastante democrático e inclusivo. O ponto positivo dessas festas são as pessoas fantasiadas pelas ruas, além de grupos de percussão e marchinhas, mas nada se compara com a animação do Carnaval pernambucano.
Por Winny Claret, jornalista francesa tão apaixonada por Carnaval quanto pela escrita
Imaginem uma cidade portuária do norte da Europa... com seus cais nebulosos no inverno, o frio, as gaivotas e a brisa marítima. E, nas ruas, uma atmosfera vai tomando conta; uma coisa indefinível pela qual passamos o ano inteiro esperando, uma música que não sai da cabeça, cada vez mais alta, até que todos se põem a cantarolá-la sem perceber.
Esses meses antes do Carnaval fazem vibrar toda a cidade de Dunquerque, na França – até chegar ao ponto de ebulição! Dezenas de milhares de pessoas fantasiadas de todas as cores, com penas, glitter, casacos de peles – ou, às vezes, apenas vestidas de roupas de banho – invadem a cada fim de semana essa cidade de apenas 90 mil habitantes.
É viciante. E queremos sempre mais, depois de um mês de loucura generalizada, no qual todos se esquecem de todo o resto. Além dessa música, que ressoa na nossa cabeça semanas depois do Carnaval acabar. É nesses momentos que Dunquerque toma vida.
Por Florian Papon, engenheiro francês
O mais conhecido Carnaval da França em âmbito mundial é o de Nice com seus carros decorados sobre um tema específico que muda todos os anos. As pessoas vêm fantasiadas e se mesclam com aqueles que organizam o desfile. Em 2020, o tema é “O Rei da Moda”. O Carnaval dura 15 dias em fevereiro, que é inverno por aqui.
Durante o Carnaval, há três desfiles com ambientes distintos. A Batalha de Flores é um desfile de carros cheios de gente que joga as flores para quem passa. Já o Corso Carnavalesco, que se chama também Corso do Día, consiste em outro desfile de carros e de gente dançando. É o momento mais tranquilo, porque geralmente é mais frequentado por famílias. Há também o Corso Iluminado, também conhecido como Corso da Noite, um desfile de carros (os mesmo do dia, mas agora com luzes). Famílias e amigos se juntam para fazer a festa.
Por uma questão de segurança (desde os atentados que atingiram a França há alguns anos, todo o circuito do Carnaval é fechado. De um lado, é uma pena, porque se perde um pouco este sentimento de Carnaval popular feito pela gente da cidade, e não uma atividade organizada pela prefeitura.
As entradas são gratuitas, mas unicamente para as pessoas que chegam fantasiadas.
Por Mercedes Sosa, uruguaia, professora de espanhol e inglês no Recife
Declarado pela Presidência da República como de Interesse Nacional, o Carnaval uruguaio surge (com suas primeiras manifestações desde 1750) como mistura entre festividades e tradições europeias e africanas. É a festa mais extensa do país, com mais de quarenta dias de festa, que começam no final de janeiro e vão até início de março.
Os tablados (teatros populares) cobram vida e recebem agrupações: comparsas de negros y lubolos, revistas, parodistas, humoristas e murgas, que participam de concursos no país inteiro. Paixão transmitida de geração em geração, move mais dinheiro ao longo de um mês e pouco do que o futebol uruguaio ao longo do ano inteiro.
O principal concurso se realiza no Teatro de Verano em Montevidéu e alguns locais no interior do país, servindo de cenário e janela para o espetáculo que mistura elementos paródicos, humorísticos, de protesto e voz popular, de manifestação musical e teatral.
As ruas se vestem de festa e danças em trajes coloridos. Há dois principais desfiles: o Desfile Inaugural e o Desfile de Llamadas, abrindo passo às Vedettes e às Cuerdas de Tambores, que fazem a terra tremer ao som do candombe e da murga.
Por Pedro Nóvoa, farmacêutico de Maputo
Tendo de explicar o espírito de Carnaval a um estrangeiro, eu diria que em Maputo a data é vivida mais como uma espécie de Halloween – com muitas festas privadas, organizadas por grupos de amigos. Ainda que haja, naturalmente, ruas que se fecham para que as pessoas possam sair e mostrar as suas máscaras que, diga-se, são muito pouco características do país.
Mas se na maior parte das coisas o Carnaval de Moçambique, e falo sobretudo no de Maputo, foge aos típicos carnavais de Portugal ou do Brasil (não tem desfiles de sátira nem de samba), há uma coisa que nos une: a cerveja. Estes são dias de festa e a que não faltam as típicas 2M e Laurentina – as marcas mais conhecidas do país.
Tenho ainda hoje memórias de como vivi em pequeno esta data. Das festas que cortam algumas ruas da baixa (centro) da cidade, da comida e da bebida. E da música… que é sempre africana e brasileira. Em Moçambique, o Carnaval é a bem dizer mais um motivo para fazer festa.