Que o futebol brasileiro é o mais vitorioso do mundo, não é segredo para ninguém. Embora venha de resultados ruins recentemente, a cor amarela da seleção segue impondo respeito nos gramados onde desfila. Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que o Brasil entrava em campo apenas ‘para não fazer feio’. Até que o primeiro torneio sul-americano sediado no país fez o cenário mudar. Dos pés de Friedenreich, os brasileiros aprenderam o gosto pela vitória. A história do primeiro grande nome o futebol nacional é destaque no JC, a dois meses da Copa América 2019.
Existe uma máxima popular que diz que o brasileiro não gosta de esporte algum, e sim de ganhar. E no futebol, o ponto de partida da seleção brasileira veio em 1919, no primeiro torneio Sul-Americano (hoje Copa América) disputado no país.
Eram tempos difíceis para os 30 milhões de brasileiros à época, sobretudo para os mais pobres, muitos dissidentes da recém abolida escravidão. Os direitos eram negados ao povo até mesmo em suas esferas mais básicas. De protestos políticos até o lazer de praticar um esporte então recém chegado às terras tupiniquins.
Apesar disso, o futebol encontrou nos pés miscigenados a sua adaptação mais maliciosa e rítmica, quase uma capoeira com bola. E à medida em que a periferia se apropriava do esporte, surgiam os primeiros talentos. O maior desses precursores foi Artur Friedenreich.
Fruto da união entre o alemão Oscar e a brasileira negra Matilde, o mulato Artur logo se destacou nas ruas de São Paulo e não demorou a integrar a seleção brasileira, sendo titular já no primeiro confronto da história do escrete, em 1914, na vitória por 2x0 sobre o Exeter City, da Inglaterra.
Eram os primeiros passos, com resultados pouco animadores. Dois vice-campeonatos sul-americanos, com títulos perdidos para o Uruguai. Ainda assim, o discurso dos organizadores do Sul-Americano de 1919 era pregar um clima amistoso. Só não conseguiram convencer os torcedores disso.
O clima era de extrema rivalidade. Brasileiros queriam vencer e a hostilidade contra argentina, chilenos e uruguaios só aumentava nas ruas do Rio.
Veio o primeiro jogo, na nova estrutura do estádio das Laranjeiras - a original, inclusive, foi vendida e transportada até o Recife, onde deu origem ao estádio da Avenida Malaquias, no bairro da Jaqueira, onde jogava o Sport. Capacidade para 20 mil espectadores no papel, mas na prática cabiam quase 30 mil.
O Chile foi a primeira vítima. O placar de 6x0 até esconde os primeiros minutos de ansiedade da seleção, mas o primeiros dos três gols de Friedenreich, abriu o caminho para empolgar a torcida a torcer pelos cavalheiros bem alinhados em seus bigodes, cintos e até gorros, combinando com a camisa branca.
Na semana seguinte, contra a Argentina, a sede de vencer era tanta que até a banda da Marinha foi vaiada antes da bola rolar. Em campo, Friedenreich não balançou as redes, mas conduziu as ações na vitória por 3x1.
Restava ‘apenas’ o carrasco Uruguai, que se baseava no porte físico de seus jogadores. O que se viu em campo foi um arrasador 2x0 no começo do jogo, com Gradim, astro do Peñarol, e Héctor Scarone, ídolo que se consagraria no Uruguai com as conquistas olímpicas e da Copa do Mundo.
Mas o Brasil reagiu. Buscou o empate com dois gols de Neco, então artilheiro do Corinthians, e provocou um jogo extra na decisão, três dias depois.
O Rio de Janeiro era pura euforia, mas a partida era estudada como um jogo de xadrez. Após um primeiro tempo de jogo quase nulo de chances, a etapa complementar traria chances para Friedenreich e Scarone, mas nenhum gol no marcador.
Somente na prorrogação, onde substituições e disputa por pênaltis sequer existiam, Friedenreich, que ganhou a pecha de “El Tigre” pelos uruguaios, aproveitou rebote do goleiro aos sete minutos e bateu de primeira no canto, para marcar o gol da vitória.
Título que deu não apenas a primeira grande taça ao futebol brasileiro, mas também ao esporte que viria a ser o mais relevante no país o status de instrumento transformador no meio sociocultural.