Há exatos 50 anos, 4 letras davam um novo significado a 4 dígitos: Pelé 1.000. Dia 19 de novembro de 1969, Vasco da Gama x Santos, no Maracanã, pela 14ª rodada da Taça Roberto Gomes Pedrosa. O placar apontava 1x1. Aos 32 minutos do segundo tempo, o juiz Manoel Amaro viu Pelé ser derrubado na área. Pênalti. O rei é coroado com o milésimo gol ao bater no canto esquerdo do goleiro argentino Andrada. Ele entra na barra – e na história – para pegar a bola. A cena de cinco décadas atrás é conhecida. O que poucos sabem é que no Recife está guardada a prova material que originou o fato e que o gol mil teria saído uma semana antes na Ilha do Retiro, segundo alguns especialistas.
Curiosamente o objeto que possibilitou a cobrança da penalidade está muito bem guardado (não só na memória) dos pernambucanos, mas também materialmente muito próximo. O juiz da épica partida, o alagoano Manoel Amaro de Lima, natural de Maceió e falecido em 2009, doou o apito utilizado no jogo para o Museu do Homem do Nordeste (Muhne), vinculado à Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj). Feito de resina de plástico, é parte do acervo desde 2008. “Lembro que em 1969 foi algo sensacional e marcante. O apito foi parar justamente no Muhne doado pelo próprio árbitro. É uma das peças mais emblemáticas do acervo e já reúne 50 anos de história”, destacou o coordenador-geral do Muhne, Frederico Almeida.
Para alguns especialistas, o milésimo gol de Pelé foi marcado, na verdade, uma semana antes, no dia 12, de cabeça, em plena Ilha do Retiro, diante do Santa Cruz, em cima do goleiro Aloísio Linhares, na goleada de 4x0 do Peixe. Ficção? Realidade. Inclusive noticiada pelos jornais da época e atestada por um dos mais conceituados profissionais de imprensa do Brasil que acompanhou a carreira do Rei desde os primeiros passos no Santos. A versão era defendida, entre outros, pelo jornalista Thomaz Mazzoni, falecido em 1970. Ele era editor chefe da Gazeta Esportiva, um dos maiores jornais esportivos do Brasil, e se dedicava intensamente as estatísticas. Mazzoni tinha tanta segurança nos seus dados que no dia seguinte do jogo do Santa Cruz na Ilha do Retiro estampou a manchete: “Recife aplaude o 1.000 de Pelé”.
A divergência entre as estatísticas dele e a – que se chamou de – oficial de Adriano Neiva da Motta e Silva (conhecido como De Vaney), adotada por Pelé, está em três gols. Mazzoni os considerou; De Vaney, não. Dos três gols da discórdia ao menos dois foram identificados. Um foi marcado em um jogo-treino contra a Seleção da Costa do Marfim, na África, com o Santos sem seu padrão oficial e Pelé atuando pela equipe local na hora do gol. O outro foi anotado em um clássico contra o Corinthians (em 19/10/1969), foi interrompido pela chuva ainda no primeiro tempo e por isso a partida foi anulada depois. O terceiro gol divergente ao que se sabe até hoje é uma incógnita. Todavia, como na citada partida no Recife, o Rei marcou dois gols (o segundo, por coincidência, de pênalti) ainda que não seja levado em conta o terceiro gol não identificado, o milésimo gol teria saído naquele dia no Recife.
Em 1995, todavia, uma reportagem do jornal Folha de S.Paulo revelou que o erro de cálculo teria acontecido porque a estatística oficial ignorou um gol feito em seus primeiros anos de carreira, em 1959, quando o atleta estava no serviço militar e defendia a seleção do Exército.
ANDRADA
Coube ao arqueiro do Vasco da Gama, Andrada, a feliz (ou infeliz) fama de ter levado o conhecido miléismo gol, em vez do também grande goleiro tricolor Aloísio Linhares, conhecido como o “Caravelle” (um portentoso avião da época), devido aos voos para defender as suas metas. Infelizmente não foi no gramado da Ilha do Retiro que o mundo ficou sabendo da façanha do primeiro jogador a atingir a marca de mil gols. Aqui não teve invasão de repórteres, nem choro e dedicatória às criancinhas. Não importa. Para os 34.123 torcedores presentes na Ilha do Retiro o gol 1.000 foi marcado diante dos seus olhos. E isso estatística oficial alguma pode mudar.