Mais da metade (55,6%) dos adultos quilombolas estão em situação de insegurança alimentar no Brasil. Os dados estão no estudo Quilombos do Brasil: Segurança Alimentar e Nutricional em Territórios Titulados, lançado nesta quinta-feira (20) pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e pela Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir). A publicação apresenta a pesquisa sobre a situação alimentar e nutricional em comunidades quilombolas e o acesso delas a serviços e programas governamentais, além do perfil socioeconômico das famílias e comunidades.
Entre crianças e adolescentes, 41,1% da população estudada estão na mesma situação de insegurança alimentar. Quando analisada por regiões, a maior taxa é encontrada no Baixo Amazonas (79,1%), e a menor em comunidades do Semiárido (15,9%). O estudo também engloba o nordeste paraense, com 43% das crianças vulneráveis, o norte maranhense (45,7%), o norte Semiárido (31,7%) e o Centro-Sul (18%).
“O quadro vivenciado pelo Baixo Amazonas é gravíssimo quando se constata que a cada cinco residências, quatro têm crianças com carência alimentar – fome. As regiões nordeste paraense, norte maranhense e norte Semiárido têm frequências elevadas, e no Semiárido e Centro-Sul os valores são expressivamente mais baixos, porém observa-se a existência dessa situação”, diz o estudo.
A coleta em campo foi realizada em 2011, em 55 municípios de 14 estados. Foram visitados 97 territórios quilombolas, nos quais vivem 40.555 pessoas, em 9.191 domicílios distribuídos em 169 comunidades. O levantamento leva em conta as comunidades que receberam o título de posse coletiva da terra, entre 1995 e 2009, e também apresenta dados sobre o estado nutricional das crianças menores de 5 anos.
O estado nutricional de uma pessoa é o reflexo da ingestão, absorção e utilização dos nutrientes dos alimentos, e a população quilombola estudada apresentou maior déficit de estatura em crianças. “O déficit de estatura reflete a desnutrição crônica em crianças. Para o conjunto das regiões estudadas, 2,4% das crianças investigadas apresentaram este diagnóstico, sendo que o Semiárido apresentou déficit nutricional ainda maior, com frequência de 5,9%”, diz o estudo.
O risco de sobrepeso e obesidade também é evidenciado nas comunidades. Para o total de crianças avaliadas, uma em cada cinco apresenta sobrepeso, apesar da grande vulnerabilidade econômica e social destas populações. “Os quilombos do Centro-Sul, situados perto de muitos centros urbanos e com alta densidade populacional, têm 32,7% de suas crianças em situação de excesso de peso. Este diagnóstico pode estar refletido na má qualidade da dieta que as crianças têm acesso”.
O sumário executivo da pesquisa está disponível na página da Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação (Sagi) do MDS.
“Os resultados encontrados sinalizam para uma situação de grande vulnerabilidade vivenciada pelos quilombolas. Como fator condicionante, poderiam ser mencionados o isolamento geográfico e social, bem como a baixa integração dos territórios quilombolas com outros espaços geopolíticos dos municípios em que a oferta de bens e serviços públicos é maior. Uma vez que a relação com o território é tão particular para este segmento, a violência decorrente dos conflitos persistentes e dos problemas não resolvidos, em termos de ocupação territorial, agrava este quadro”, de acordo com o sumário.
Segundo a secretária da Seppir, Silvanir Euclênio Silva, os dados do estudo já estão servindo de instrumental para elaborar políticas públicas que resolvam a situação de vulnerabilidade em que os quilombolas se encontram, como a potencialização da capacidade de produção das comunidades.
Ela destaca ainda a importância da apresentação do estudo no Dia Nacional da Consciência Negra, que, segundo ela, é o símbolo da capacidade de superação e da resiliência e insurgência da população negra. “Um povo que foi capaz de construir um herói [Zumbi dos Palmares] e uma data, celebrada de Norte a Sul do país, independente[mente] das instituições, este dia representa a capacidade de resgatar a humanidade que nos foi negada”, disse.