A 10ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) determinou a alteração de gênero no registro civil sem a necessidade de cirurgia modificadora para uma pessoa nascida com o sexo biológico feminino, mas que se identifica psicologicamente e socialmente com o sexo masculino. O pedido foi feito por transexual que afirma se identificar com o sexo masculino desde a infância.
De acordo com o TJSP, um laudo psicológico elaborado pelo Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo atesta transtorno de identidade sexual. Parentes e amigos confirmam a identificação social como homem. “Ele já ajuizou ação, que foi julgada procedente, para alterar seu nome e argumenta que sem a retificação do sexo continuará a sofrer discriminação devido à disparidade entre sua imagem social e seus documentos. Tanto o Ministério Público como a Procuradoria Geral da Justiça se manifestaram pelo acolhimento do recurso”, diz o TJSP.
Segundo o relator, o desembargador J.B. Paula Lima, a retificação no registro civil não é vinculada à realização de cirurgia de transgenitalização, pois isso postergaria o exercício do direito à identidade pessoal, tiraria do apelante a prerrogativa de adequar o registro do sexo civil à sua condição psicossocial e violaria o princípio constitucional da dignidade da pessoa. “Diante de tais circunstâncias, o acolhimento do pedido é medida que se impõe, havendo motivo suficiente para autorizar a retificação do sexo civil.”
O coordenador do Núcleo de Defesa da Diversidade e da Igualdade Racial da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Erik Saddi Arnesen, explicou que essa não foi a primeira vez que a Justiça de São Paulo toma esse tipo de decisão. “Nós estamos construindo no meio jurídico esse reconhecimento de um direito de personalidade das pessoas transexuais que é o direito ao nome. Todas as teorias mais avançadas sobre o assunto já trazem isso como algo que vem de uma auto-identificação, algo que vem da pessoa para fora”, disse.
Segundo ele, todas as decisões caminham no sentido da superação do critério exclusivamente biológico. “Nós caminhamos com as decisões judiciais de forma muito mais rápida do que a lei. A quantidade de leis sobre o tema ainda é muito pequena comparada com a quantidade de decisões judiciais que temos.”
Arnesen explicou que a Lei de Alteração de Registro data de 1973 e não tem dispositivos que abarquem a realidade de transexuais. “Decisões como essas são precedentes que servem como elemento de convencimento e difusão de conceitos. Nos estimula a continuar com essa demanda e tocando essas ações e estimula outros juízes a repetirem esse entendimento”.
Na avaliação do defensor público, a decisão é importante porque dá mais liberdade à pessoa e prioriza a dignidade daqueles que não querem se submeter a um procedimento cirúrgico para ter reconhecido um direito fundamental como o nome. “Ainda temos diversos juízes que são reticentes em alterar o gênero no registro sem que haja a cirurgia. Isso é complicado porque a transexualidade não é algo objetivo. Há pessoas que se entendem como transexuais, mas têm medo ou não têm vontade de realizar todas as cirurgias, porque é tudo muito complicado e invasivo.”