Pesquisa feita pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos aponta que, em 2016, foram assassinadas 66 pessoas que atuavam na promoção e proteção dos direitos básicos individuais ou coletivos. Outros 64 defensores dos direitos humanos foram ameaçados ou se tornaram alvo de ações que visavam a criminalizar suas atuações.
O dossiê Vidas em luta: criminalização e violência contra defensoras e defensores de direitos humanos no Brasil, divulgado na noite desta terça-feira (4), em Marabá (PA), é o primeiro levantamento anual feito pelo comitê. Em 2016, foi divulgado um balanço preliminar que apontava 22 defensores e defensoras assassinados nos quatro primeiros meses do ano. O levantamento foi enviado à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização de Estados Americanos (OEA).
Apesar de a organização não ter dados próprios relativos a 2015, argumenta que houve uma "escalada" na violência, tomando por base informações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), que integra o comitê e desde 1985 divulga, anualmente, os dados relativos à violência no campo. A CPT registrou, em 2015, 50 assassinatos em função de conflitos fundiários, além de 59 tentativas de homicídios e 144 pessoas ameaçadas em função de sua atuação.
Para o comitê, os riscos para a atuação dos defensores dos direitos humanos têm se agravado em meio “ao quadro de fragilização política, econômica e institucional”. A prova, segundo o comitê, seria o fato de que, no primeiro semestre deste ano, 37 defensores foram mortos - o dobro dos óbitos registrados no mesmo período do ano passado.
Em 2016, as regiões Norte e Nordeste figuraram como as mais perigosas para a atuação das defensoras e defensores de direitos humanos, concentrando quase a totalidade (56) dos assassinatos identificados na pesquisa. Os estados apontados como os mais violentos contra os defensores foram Rondônia, com 19 assassinatos, Maranhão, com 15, e Pará, com seis.
Sobre Rondônia, o comitê afirma que “está em curso uma alarmante escalada de violência e criminalização de defensoras e defensores de direitos humanos”. Em 2015, o estado despontava nos dados da CPT como a unidade da federação com o maior número de mortes em conflitos agrários (20).
Apesar disso, o Pará é considerado o estado com a “situação mais grave do país” considerando o histórico. Um dos seis mortos em 2016 foi o presidente da Associação Terra Nossa, o trabalhador rural Ronair José de Lima, atingido por vários tiros em São Félix do Xingu.
No dossiê, o comitê critica o que classifica como “casos de uso excessivo da força policial” e os “abusos do Estado contra cidadãos em situação vulnerável”, além das “tentativas de criminalização de movimentos sociais”. O documento também aponta que algumas empresas e agentes privados e públicos têm atuado para “impedir a efetivação de direitos humanos e a luta de quem os defende”.
Para os pesquisadores, a crise política dos últimos anos “cria um cenário de instabilidade, contribui para o acirramento de discursos de ódio e ataques aos direitos humanos”.
Os organizadores do documento classificam o Brasil como um país extremamente violento contra os defensores dos direitos humanos. Outro levantamento, divulgado em maio pela Anistia Internacional, apontou que, no ano passado, 281 defensores de direitos humanos foram mortos em pelo menos 22 países.
A pesquisa, feita com base em denúncias de organizações que integram o comitê, em levantamentos no noticiário e em pesquisa própria, reconhece que o levantamento realizado não esgota o tema. “Sabemos que o universo de violências é bem superior aos dados aqui apresentados. Isso se dá por diversas razões que vão, como já mencionado, desde a subnotificação dos casos até a dimensão territorial brasileira que dificulta o acesso a essas informações”, aponta o documento. O comitê critica ainda a falta de informações precisas do Estado sobre as práticas contra militantes sociais e ativistas.
Procurado pela Agência Brasil, o presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos (Cndh), Darci Frigo, concorda com a conclusão de que o risco para a atuação dos militantes e defensores vem aumentando. “Não há direitos humanos e sua promoção sem os defensores. Quando estas pessoas que estão na linha de frente dos processos de defesa dos direitos começam a sofrer violência e ameaças, temos um quadro grave de retrocessos”, afirmou.
A Agência Brasil também entrou em contato com os ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, mas nenhum dos dois se pronunciou sobre a pesquisa até a publicação desta reportagem. Em relatório do Ministério dos Direitos Humanos divulgado em março, o governo apontou que estão implementadas ou em implementação praticamente todas as recomendações internacionais para proteger os direitos humanos no Brasil. Entre os avanços, destaca a criação e fortalecimento do Conselho Nacional dos Direitos Humanos (Cndh). No entanto, o Brasil reconhece no relatório que “persistem desafios para a proteção de defensores de direitos humanos no Brasil, em especial, quanto a profissionais de comunicação, lideranças rurais, indígenas, quilombolas e ambientalistas”.
O Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, formado por representantes de vários movimentos sociais, define como defensores dos direitos humanos todos os que, individual ou coletivamente, lutam pelo direito das pessoas e grupos humanos à vida, terra e território, expressão cultural, liberdade de expressão e informação, livre manifestação, liberdades de gênero, sexuais e reprodutivas, moradia, biodiversidade, entre outros direitos básicos. No dossiê, são identificados pessoas de perfis e atuação díspares, como muitas lideranças indígenas, a exemplo de Genésio Guajajara, 30 anos, assassinado em abril de 2016, no Maranhão; e o estudante e militante LGBT Diego Vieira Machado, morto no campus da UFRJ, na Ilha do Fundão, zona norte do Rio.
São definidos como abusos contra defensores de direitos humanos os atentados contra a vida e a integridade pessoal; ameaças e outras ações de hostilidade; violação de domicílio; ingerências arbitrárias ou abusivas a instalações de entidades e em correspondência ou comunicações telefônicas ou eletrônicas; desqualificação moral de defensoras e defensores de direitos humanos, associando-os a “bandidos”; prisões arbitrárias e criminalização dos defensores e de movimentos sociais por meio de processos judiciais arbitrários, entre outras práticas.