Os médicos cubanos que integravam o programa Mais Médicos começaram a deixar o país nesta quinta-feira (22). Um grupo embarca nesta noite em dois voos fretados pela Organização Pan-americana de Saúde (Opas), saindo de Brasília com destino a Havana. A previsão da Opas é que esse processo dure até o dia 12 de dezembro. A entidade é a responsável pelo acordo de cooperação técnica com o Ministério da Saúde que viabilizou a contratação e a manutenção dos profissionais daquele país no Brasil.
No fim da tarde, uma longa fila se formou no guichê da companhia aérea Cubana de Aviación, no Aeroporto de Brasília. Com bandeiras de Cuba e do Brasil e adesivos escritos “somos mais que médicos”, os profissionais se preparavam para retornar após o seu governo determinar a volta em razão de novas exigências manifestadas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro.
Depois desses voos, outros médicos sairão com destino à capital Havana na sexta e no sábado. Os retornos ocorrerão de quatro cidades: Brasília, Manaus, Salvador e São Paulo. Os profissionais estão se deslocando dos municípios onde residiam, muitos no interior do país, para os aeroportos.
Leibes Reys era uma das médicas na fila para voltar ao seu país. Depois de atuar durante quatro anos em Cuba, ela chegou ao Brasil em 2016 e passou a atender no município de Ibimirim, no estado de Pernambuco. Ela relatou à Agência Brasil que teve uma ótima experiência e uma boa relação com pacientes e outros profissionais das unidades onde atuou.
“Demos atendimento a pessoas que verdadeiramente precisavam de uma saúde boa. Uma experiência que chega no coração da gente. A gente fica com muita saudade porque a população fica triste com o nosso retorno.Até me falaram: ´Doutora, não vai´; ficam com aquela tristeza. Às vezes iam na consulta não só para consultar, mas pra conversar, pedir conselho”, conta.
Isabela Sarmiento também chegou em 2016 para um contrato de três anos e foi direcionada para clinicar na cidade de Serra Talhada, em Pernambuco. Ela conta que pacientes pediram para que não voltasse à terra natal. Isabela considera que ela e amigos sabiam que teriam de voltar, mas não estavam preparados para que isso ocorresse agora.
Quanto à retenção pelo governo cubano de parte da remuneração recebida - um dos itens criticados pelo presidente eleito Jair Bolsonaro e objeto das exigências que terminaram com a recusa do governo cubano -, a médica respondeu que as regras estabelecidas foram explicadas e aceitas por quem decidiu vir atuar no Brasil.
“Nós assinamos um contrato sabendo as condições de vir trabalhar aqui. Cuba dá saúde e educação sem cobrar nada de ninguém. Nós estamos remunerando o feito de hoje nós sermos médicos. Porque conseguimos ser médicos sem pagar nada, só utilizando nossa mente. Agora nós nos sentimos orgulhosos de dar essa remuneração para Cuba”, afirmou.
Uma das profissionais prestes a embarcar, que não quis se identificar, contou à Agência Brasil que seu plano é regressar ao Brasil. Na experiência de atender pacientes em um município no estado do Rio Grande do Sul, que ela também optou por não revelar, conheceu um brasileiro, passou a ser relacionar com ele e a história terminou em casamento.
“Eu pretendo voltar. Olha a minha aliança [mostra para a reportagem]. Casei com um brasileiro”, falou, feliz. Perguntada sobre como faria para retornar, já que há regras restritas no país para imigração, não deu detalhes. “Vou fazer tudo certinho. Ainda não sei, mas vou me informar quando chegar lá”, complementou.
Já Felipe Ramiro gostou da experiência, mas comentou que seu desejo era retornar a Cuba. Alocado em unidades médicas na cidade de Camocim de São Félix, em Pernambuco, ele relatou que teve ótima relação com pacientes e moradores. Mas que após o encerramento do contrato, previsto para o ano que vem, iria voltaria à ilha.
“Se o contrato não fosse interrompido, eu trabalharia mais um ano. Mas ficar mesmo no Brasil eu não vou ficar não. Eu gosto do meu país, tenho família lá, filhos”, justificou.
Ioana Iglesias chegou ao Brasil em 2016 e foi trabalhar na cidade de Nova Itaberaba, no oeste de Santa Catarina. Ela relata que os pacientes “sofreram junto a perda da médica cubana”. Ela diz que não sofreu preconceito, ao contrário, teve ótima acolhida. Natural de Santa Clara, no centro da ilha, vai voltar a atuar como médica no país.
Perguntada se voltaria ao Brasil para uma nova missão do tipo da que se encerra agora, respondeu positivamente. “Se o Brasil quiser de nós que façamos como uma missão humanitária, com certeza voltaria. Nunca vamos negar um atendimento para ninguém”, pontuou.
O rompimento do acordo ocorre por decisão do governo cubano, que chamou de volta os profissionais por desacordo com condições impostas pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, para que os médicos permaneçam no programa - entre elas a realização do exame de revalidação de diplomas para reconhecimento no país (Revalida) e a não retenção de parte da remuneração dos médicos, que até então ficava com a administração cubana.
O presidente de Cuba, Miguel Diaz-Canel, por meio de uma rede social, defendeu os profissionais. Em nota, o Ministério da Saúde cubano afirmou que as exigências desrespeitam as condições acordadas no convênio com a Opas.
Dois dias após a decisão, o presidente eleito Jair Bolsonaro afirmou que as novas exigências foram definidas para proteger os médicos de más condições de trabalho, por razões que classificou como “humanitárias”.
Nesta semana, o governo brasileiro abriu novo edital para substituir os mais de oito mil médicos cubanos.