Há cem anos, a concepção que se tinha era de que o universo era plano, sendo o espaço e o tempo distintos e uniformes. A ideia foi mudada pelo físico alemão Albert Einstein (1879-1955) quando elaborou a Teoria Geral da Relatividade em 1915, afirmando por meio de cálculos que o espaço-tempo forma uma malha que se curva quando por influência de corpos massivos, como, por exemplo, o sol. A teoria, até então absurda, foi comprovada quatro anos depois, devido a um eclipse no dia 29 de maio de 1919. Várias tecnologias conhecidas hoje, como o GPS, só são possíveis por causa disso.
Até a comprovação da Teoria da Relatividade, o universo era entendido pela Lei da Gravitação Universal de Isaac Newton, elaborada no final do século XVII. Essa teoria foi a base da mecânica clássica e instituiu a gravidade, força que age em todos os corpos e mantém os objetos celestes unidos e ligados. Havia, porém, algumas limitações. Newton não conseguiu acertar o cálculo do periélio de Mercúrio com base em seus princípios e existia problemas em aberto, como a propagação da luz. Albert Einstein, aos 26 anos, começou a procurar soluções e publicou em 1905 suas primeiras teorias.
A Teoria Geral da Relatividade, anunciada em 1915, entende que o espaço-tempo forma uma grande malha, como um lençol. Corpos com grande massa, como planetas, buracos negros, um aglomerado de galáxias ou o Sol "afundam" nesse tecido, causando distorções. Isso causaria o desvio dos raios luminosos, que não seguem em linha reta, como antes previsto. De início, a ideia não foi tão bem aceita. "As pessoas não aceitam tão bem essas ideias porque elas são muito contrárias as ideias vigentes na época. Também tem um contexto político (entre guerras), a aceitação não é tão simples e imediata", destaca professora do departamento de física Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) Nilva Lúcia Lombardi.
Para provar essa teoria, Einstein quis observar a incidência de luz de estrelas por trás do Sol para perceber se esses raios são alterados pela órbita solar. Seria necessário, então, ver estrelas durante o dia. Um eclipse solar completo era a solução perfeita. Em 1919, os cientistas tomaram conhecimento que haveria um eclipse visível em sua totalidade em Sobral, no Ceará, e na Ilha do Príncipe. Equipes foram enviadas aos dois locais com equipamentos, mas, na Ilha do Príncipe, o céu estava nublado, impossibilitando o experimento. O céu limpo de Sobral trouxe à física os resultados esperados.
"No momento que ocorre o eclipse solar é possível fotografar as estrelas que estão na linha muito próxima do sol. De acordo com a Teoria da Relatividade Geral, a posição dessas estrelas deveria mudar um pouquinho devido ao campo gravitacional do sol ", resume o professor do departamento de astronomia da Universidade de São Paulo (USP) Roberto Costa. E, de fato, isso ocorreu. Comparando com fotografias tiradas anteriormente durante a noite, sem influência do sol, as estrelas apareciam em um local diferente, com uma deflexão da luz de 1,98 segundo de arco, um pouco a mais que o previsto por Einstein, 1,75.
O experimento bem sucedido ajudou na aceitação da teoria e abriu portas para que novas pesquisas pudessem ser realizadas nesse sentido. "Em termos de ciência, a Teoria da Relatividade Geral simplesmente mudou a forma como víamos o Universo", considera diretor executivo da Seara da Ciência da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ilde Guedes.
"Einstein mostrou para a gente que o espaço-tempo não é como todos os físicos descobriram. Toda a física muda porque todo o espaço-tempo é diferente", reitera o professor adjunto do departamento de física da UFC Geová Alencar. Até hoje, a Teoria Geral da Relatividade é a mais completa para se explicar o universo. "O que se tem hoje é que a teoria de Einstein funciona para todas as situações", explica.
Distância: O eclipse permitiu fotografar por alguns minutos as estrelas no fundo do céu próximas da borda do Sol, a uma distância de 150 anos-luz da Terra — cada ano-luz equivale a 9,5 trilhões de quilômetros.
Trajetória normal à noite: A luz de uma estrela viaja em linha reta pelo universo até chegar à Terra, de modo que sua posição fotografada à noite corresponde à sua localização real
Trajetória durante eclipse: No eclipse, a trajetória da luz da estrela é defletida ao passar perto do sol, cuja massa curva a malha do espaço-tempo em seu entorno, segundo a relatividade geral. A luz muda de direção ao passar por essa região. Quanto mais perto do Sol está uma estrela, maior é o entortamento da trajetória de sua luz durante o eclipse.
Angulação: De acordo com os cálculos de Einstein, o ângulo de deflexão da luz é de 1,75 segundo de arco, mais ou menos o dobro do que havia sido previsto por outros físicos a partir da teoria da gravitação de Newton. Isso ocorre devido à curvatura do espaço-tempo prevista pela Teoria da Relatividade mas não por Newton.
Pouco antes das 9 horas da manhã do dia 9 de março de 1919 o céu de Sobral, a 240 km de Fortaleza, escureceu. O fenômeno tido com assombro por alguns moradores locais durou 5 minutos e 13 segundos e permitiu a comprovação de uma das mais importantes teorias elaboradas no século XX, a Teoria Geral da Relatividade. Devido às fotos tiradas por uma comissão de estudiosos ingleses e brasileiros enviados à cidade cearense, foi possível constatar que o espaço-tempo se curva.
A equipe chefiada pelos ingleses Andrew Crommelin e Charles Davidson e pelo brasileiro Henrique Morize chegaram em Sobral no dia 30 de abril de 1919, sendo recepcionados pelo então prefeito Jacomé de Oliveira. No dia do eclipse Sobral amanheceu nublada, para a preocupação dos pesquisadores. Mas o sol abriu poucos minutos antes do acontecimento do fenômeno, permitindo a retirada de boas fotos no Jockey Clube da cidade. A equipe enviada à Ilha do Príncipe não teve tanta sorte; as nuvens atrapalharam a observação, tornando o experimento lá inconclusivo.
O diretor técnico científico do Museu do Eclipse, Emerson Ferreira de Almeida, relata que lideranças políticas e religiosas locais preparam os moradores para o acontecimento por pelo menos três meses. "O eclipse era um evento muito raro, as pessoas podiam se assustar. Essa preparação foi feita, mas muitas pessoas correram para as igrejas, as igrejas se mantiveram abertas para as pessoas que preferiram acreditar na proteção divina", conta.
Antes do eclipse em si, as equipes disponibilizaram os telescópios para que os sobralenses pudessem observar o céu e entender o trabalho dos cientistas e o que iria acontecer, diminuindo o estranhamento, segundo ele. Evento também foi divulgado nos jornais e conversado, já que no século XIX houve ocorrência de experimentos atrapalhados devido a populares terem atrapalhado a observação ou medição de fenômenos.
"A maior parte das pessoas nem sabia que isso (eclipse) existia. As pessoas nunca tinham ouvido falar disso, isso foi um momento de educação na época, muitas pessoas conheceram coisas novas, experimentaram coisas novas. Foi um momento de aprendizado e de revelação para as pessoas", diz Emerson. Ele lamenta que muitos documentos sobre o evento em Sobral foram perdidos devido a uma enchente, que levou diários e cartas de Leocádio Araújo, um engenheiro agrônomo sobralense que foi auxiliar da equipe e documentou grande parte do experimento. "Houve uma perda de informações, informações não registradas são o terreno fértil para o mito, começa a surgir histórias laterais", comenta sobre histórias urbanas ligadas ao acontecimento.
Para o professor adjunto do departamento de física da UFC Geová Alencar, o experimento em Sobral foi de suma importância e, caso não tivesse ocorrido, poderia ter atrasado a aceitação da Teoria Geral da Relatividade mundialmente. "Quando veio essa provação com Sobral foi realmente para bater o martelo, o mundo inteiro ficou espantado que realmente o espaço tempo é curvo. Talvez tivesse atrasado umas boas décadas essas coisas que temos hoje, foi um experimento fundamental", aponta.
A professora do departamento de física Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) Nilva Lúcia Lombardi chama atenção que a equipe que veio para Sobral foi secundária; os cientistas da primeira equipe foram para a Ilha do Príncipe. Critica que, por isso, muitas vezes a cidade cearense não é vista com devida importância. "Às vezes a gente notícias falando muito mais de lá. A gente tem uma visão muito eurocêntrica da ciência mas o Brasil teve muita importância", destaca. (Heloísa Vasconcelos)
Em 1999, quando o eclipse que comprovou a Teoria Geral da Relatividade comemorava 80 anos, foi inaugurado o Museu do Eclipse, no mesmo local em que havia sido observado o fenômeno que mudou a visão da física sobre o universo. Tido como atração turística e utilizado de forma educativa pelas escolas municipais locais, o museu foi reformado e será reaberto neste dia 29 de maio durante as comemorações dos 100 anos da comprovação da teoria.
Emerson Ferreira de Almeida, diretor técnico científico do Museu do Eclipse, afirma que equipamento foi criado para guardar a memória do evento e evidenciar a importância de Sobral nessa história. "A cidade tinha lendas locais de como foi o experimento, de pessoas mais velhas. Como houve o impacto, houve uma grande oportunidade há 20 anos para guardar essa memória e usar esse local para estímulo à educação da nossa juventude", coloca.
Ele considera que um papel importante do Museu do Eclipse é esclarecer mitos que surgiram com relação ao eclipse. "Existem algumas lendas urbanas de que Einstein esteve em Sobral. A gente procura trabalhar para que mais pessoas tenham conhecimento desse fato como aconteceu na época", pontua. No museu, estão em exposição a luneta e fotos originais utilizadas para comprovar a teoria de Einstein, além das fotos que registraram a presença da expedição científica em Sobral. Também pode-se conferir fotos de galáxias e planetas, o primeiro mapa lunar do Brasil e o jornal The New York Times que noticiou a comprovação da Teoria da Relatividade.
"No Museu do Eclipse a gente aproveita o evento que houve aqui para mostrar para os jovens que podem, assim como Einstein e outros que mudaram a vida da humanidade, fazendo devido esforço, fazer isso na comunidade delas e para o mundo também", declara Emerson. De acordo com o diretor, antes da reforma infraestrutural, museu recebia diariamente expedições escolares dia e noite, para que fosse possível utilizar o observatório. Reforma foi necessária devido a "problemas elétricos, de infiltração de água e ajustes de vários defeitos que apareceram nos últimos 20 anos". (Heloísa Vasconcelos)