'El Chapo', o megatraficante que vendia frutas e doces na infância

O narcotraficante foi condenado à prisão perpétua nesta quarta-feira após um julgamento histórico nos Estados Unidos
AFP
Publicado em 17/07/2019 às 13:54
O narcotraficante foi condenado à prisão perpétua nesta quarta-feira após um julgamento histórico nos Estados Unidos Foto: ALFREDO ESTRELLA / AFP


O narcotraficante mexicano Joaquín "Chapo" Guzmán, que foi condenado à prisão perpétua nesta quarta-feira após um julgamento histórico nos Estados Unidos, vendia laranjas, doces e refrigerantes para sobreviver durante a infância. Aos 54 anos entrou para a lista de bilionários da revista Forbes e, no trajeto, construiu seu próprio mito. Após duas fugas dignas de filme de prisões mexicanas e três capturas em grandes operações, o narcotraficante foi extraditado aos Estados Unidos em janeiro de 2017 e desde então permaneceu em isolamento quase total no presídio.

O governo americano pediu e conseguiu a prisão perpétua para "Chapo", além de penas de 30 anos de prisão pelo tráfico de centenas de toneladas de drogas aos Estados Unidos durante 25 anos. "El Chapo" nasceu em 4 de abril de 1957 no rancho La Tuna, município de Badiraguato, em Sinaloa, região árida do noroeste do México famosa pela grande produção de maconha, papoula e recentemente fentanil.

Em um estado muito afetado pela violência, a história de Joaquín Guzmán Loera, que estudou apenas até o terceiro ano do ensino fundamental, virou inspiração para muitos jovens, como a forma pela qual uma pessoa pobre consegue respeito e dinheiro.

"Recordo como minha mãe fazia pão para sustentar a família. Vendi laranjas, vendi refrigerantes, vendi balas. Minha mãe era uma grande trabalhadora, trabalhava muito. Cultivávamos milho, feijão. Eu cuidava do gado da minha avó e cortava madeira", afirmou na famosa entrevista gravada para a revista Rolling Stone e a Kate del Castillo Productions. Guzmán tinha 15 anos quando entrou no ramo de drogas e três anos depois viajou a Culiacán, capital de Sinaloa, e de lá para a segunda maior cidade do país: Guadalajara, onde se uniu ao cartel de Miguel Angel Félix Gallardo, o primeiro czar mexicano da cocaína.

Primeiro cartel transnacional

Após a prisão de Gallardo, Guzmán se tornou parte da segunda geração dos líderes do cartel de Sinaloa, fundado na década de 1960 e considerado o primeiro cartel transnacional do México. Na época de ouro do traficante colombiano Pablo Escobar, Guzmán foi enviado para fazer contato com narcotraficantes do país sul-americano, onde estabeleceu alianças privilegiadas para receber cocaína e exportar a droga principalmente aos Estados Unidos.

Em 1989, Chapo já era um personagem importante no mercado de entorpecentes. Narcotraficantes antagônicos tentaram matá-lo em 1993, em um atentado frustrado no aeroporto de Guadalajara. O cardeal da cidade morreu em meio a um tiroteio. A partir de então, autoridades mexicanas e americanas partiram em busca da prisão do narcotraficante de pouco mais de 1,60 metro. Em 1993 ele foi detido na Guatemala.

À frente do poderoso cartel de Sinaloa já estiveram Ismael "El Mayo" Zambada - foragido e considerado o atual líder da organização -, Juan José Esparragoza "El Azul" - de quem não é possível saber se está vivo ou morto - e Nacho Coronel - morto -, tio de Emma Coronel, ex-miss, atual esposa de Guzmán e mãe das filhas gêmeas do traficante.

O grupo criminoso, que atua em dezenas de cidades dos Estados Unidos, ainda ostenta a hegemonia em metade do território mexicano e em toda a América Central. Também estabeleceu alianças na América do Sul e distribui drogas para Europa, Ásia e Austrália.

"El Chapo" fugiu pela primeira vez em 19 de janeiro de 2001, quando escapou escondido em um cesto de roupa suja da prisão de Puente Grande, Jalisco (oeste). A última fuga aconteceu em 11 de julho de 2015 por um túnel de 1,5 km cavado sob o banheiro de sua cela em Altiplano, a 90 km da capital mexicana.

Traído pelo ego

Guzmán chegou a esta prisão com anos de experiência na construção de "narcotúneis". Em 1990 foi detectado o primeiro túnel na fronteira, construído em Douglas, Arizona, por Jesús Corona Verbera, a quem Guzmán chamava de "Arquiteto" e que em 2003 foi condenado à prisão nos Estados Unidos. Mas o traficante seguiu sua técnica.

A lenda foi alimentada pelos "narcocorridos" que relatavam suas façanhas. Em 2011 entrou na lista de maiores fortunas do mundo da revista Forbes, com mais de 11 bilhões de dólares. Dois anos depois, a agência de combate às drogas dos Estados Unidos (DEA) e a Comissão Anticrime de Chicago o identificaram como inimigo público número um da cidade, o que rendeu uma comparação com Al Capone.

A queda do traficante que chegou a ser o homem mais procurado do mundo começou em 22 de fevereiro de 2014, quando foi detido no momento em que estava com Emma Coronel e suas gêmeas em um apartamento do balneário Mazatlán (Sinaloa).

A estadia na prisão foi breve, antes da segunda fuga, mas seu ego o traiu e "El Chapo" entrou em contato com a atriz mexicana Kate del Castillo e o ator ator americano Sean Penn para que filmassem sua biografia. Isto, afirmam as autoridades mexicanas, permitiu sua localização e detenção em janeiro 2016. A imagem de traficante invencível ficou para trás. Há poucos dias suplicou, sem sucesso, a um juiz por mais água e proteção para os ouvidos.

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