A justiça italiana celebrou, nesta quinta-feira, a primeira audiência do processo contra a chamada Operação Condor, em que 32 militares e civis de Bolívia, Chile, Peru e Uruguai são acusados da morte e desaparecimento de 43 opositores, mais da metade deles com nacionalidade italiana.
A maioria dos acusados será julgada à revelia, com exceção do uruguaio Néstor Tróccoli, capitão de navio e detentor de passaporte italiano, que acompanhou a audiência na sala de segurança máxima da prisão romana de Rebibbia.
"Ao vê-lo aqui, sentado quase ao meu lado, meu sangue congelou", relatou à AFP, emocionada, a uruguaia Aurora Melloni, viúva de Alvaro Daniel Banfi, metralhado junto com outros militantes de esquerda em outubro de 1974 perto de Buenos Aires, na Argentina.
Tróccoli, que não quis falar com a imprensa, estava representado por dois advogados, enquanto, para a maioria dos acusados, a justiça italiana colocou à disposição um advogado.
Trata-se do primeiro processo na Europa pela Operação Condor, dispositivo para coordenar a repressão das ditaduras do Cone Sul nos anos 70 e 80.
"O que se quer é pedir justiça. Estes julgamentos são significativos porque são atos de memória e também de advertência que deveriam estimular os países afetados a lutar por fazer justiça", declarou à AFP Giancarlo Maniga, um dos advogados de familiares das vítimas.
Entre os acusados estão o ex-ministro do Interior boliviano Luis Arce Gómez, o ex-primeiro-ministro peruano Pedro Richter Prada, o ex-chefe dos serviços secretos chilenos Juan Manuel Contreras e o general Francisco Morales Bermúdez, presidente do Peru por cinco anos.
Os acusados (1 boliviano, 11 chilenos, 4 peruanos, 16 uruguaios), cujas idades oscilam entre 65 e 90 anos, foram acusados de sequestro e homicídio múltiplo agravado e podem ser condenados à prisão perpétua.
Entre as 43 vítimas, havia 20 uruguaios, 13 ítalo-uruguaios, seis ítalo-argentinos e quatro ítalo-chilenos, segundo uma fonte ligada ao caso.
"Julgamento histórico"
Representantes das vítimas, de associações de direitos humanos, assim como diplomatas latino-americanos compareceram à audiência na sala da prisão de Rebibbia, onde costumam ser julgados mafiosos conhecidos.
O tribunal passou o dia examinando uma série de impedimentos apresentada pela defesa dos acusados.
A pedido das autoridades do Uruguai, país que se constituiu como parte civil, o desaparecimento de 20 cidadãos deste país será julgado na Itália, como contempla o código penal.
"Trata-se de um julgamento histórico. Será examinado pela primeira vez um sistema como a Operação Condor", disse o promotor encarregado do caso, Giancarlo Capaldo.
As investigações sobre a temida estratégia aplicada pelos regimes militares do Cone Sul foram iniciadas há mais de quinze anos, devido às denúncias apresentadas pelos familiares de italianos assassinados ou desaparecidos, entre eles a ítalo-uruguaia Melloni.
"Espero respostas, talvez informações. Mas sobretudo justiça como os demais. E verdade", disse, emocionada, após uma espera de 40 anos por justiça.
Alguns dos acusados estão detidos em seu próprio país, como o boliviano Arce Gómez, que não aceitou intervir no julgamento por videoconferência, como se esperava.
"O governo boliviano buscou justiça acima de todas as coisas e defendeu os direitos humanos", assegurou o embaixador da Bolívia na Itália, Antolin Ayaviri Gómez, que também assistiu à audiência.
"Vamos acompanhar este caso. Alguns já foram condenados por estes nefastos atos da história da Bolívia", acrescentou o diplomata.
Não é a primeira vez que repressores sul-americanos são julgados na Itália, país que celebrou dois processos pelos desaparecidos argentinos de origem italiana.
Cento e cinquenta pessoas serão convocadas a depor em Roma como testemunhas, entre eles historiadores, juízes, advogados, jornalistas, sobreviventes e familiares.
A próxima audiência foi marcada para 12 de março.