Anistia denuncia impunidade na Venezuela por protestos sangrentos

Ao longo de suas 47 páginas, o documento recolhe 21 testemunhos chocantes de abusos cometidos nos protestos
Da AFP
Publicado em 24/03/2015 às 15:01
Ao longo de suas 47 páginas, o documento recolhe 21 testemunhos chocantes de abusos cometidos nos protestos Foto: Foto: FEDERICO PARRA / AFP


Manifestantes mortos por tiros de policiais ou de grupos pró-governamentais, torturas, abusos sexuais, detenções arbitrárias, represálias por denunciar abusos: a ONG Anistia Internacional denuncia a impunidade na Venezuela um ano depois de protestos que deixaram 43 mortos.

"A imensa maioria das violações de direitos humanos na Venezuela não são investigadas e punidas", afirma a ONG em um documento apresentado nesta terça-feira em Madri: "Venezuela, os rostos da impunidade". "Um ano após os protestos, as vítimas ainda esperam justiça", acrescenta.

"Esta situação levou a abrirem a porta para mais abusos e episódios de violência e impunidade", ressaltou em uma coletiva de imprensa Estaban Beltrán, diretor da AI na Espanha, apontando o uso excessivo da força nos recentes protestos em Táchira e Mérida, onde o adolescente Kluiverth Roa, de 14 anos, morreu, e cinco manifestantes ficaram feridos.

E também "a recente detenção do prefeito de Caracas, Antonio Ledezma, em circunstâncias que parecem sugerir que havia uma motivação política", acrescentou a especialista em direitos humanos Nuria Garcia, autora da investigação.

Ao longo de suas 47 páginas, o documento recolhe 21 testemunhos chocantes de abusos cometidos nos protestos de fevereiro a julho de 2014.

"Nos colocaram em posição fetal, ajoelhados e nos espancaram, nos espancaram, nos espancaram. Um guarda saiu e disse que nem se rezássemos ao maldito Deus iam nos salvar, que este era nosso último dia. Baixaram minha cueca e colocaram algo por trás", relata Juan Manuel Carrasco, de 21 anos, detido em 13 de fevereiro em Valencia, no norte.

Em alguns casos, "as forças de segurança torturaram os detidos com corrente elétrica no corpo, asfixia com saco plástico na cabeça e queimaduras com objetos pontiagudos", afirma o documento, produzido após meses de entrevistas com mais de 100 vítimas, advogados, defensores dos direitos humanos e testemunhas.

Os protestos explodiram no dia 4 de fevereiro de 2014 em San Cristóbal, no oeste da Venezuela, por falta de segurança entre estudantes universitários. Depois foram registradas grandes mobilizações nas ruas de todo o país contra a situação econômica e a escassez, às quais se opuseram pessoas que manifestavam a favor do governo de Nicolás Maduro.

Os confrontos e a repressão terminaram com 43 mortos e 878 feridos, segundo números oficiais.

 

Vozes críticas

"Este que está aqui vai marchar amanhã sem medo", havia escrito Bassil Alejandro Dacosta Frias, um carpinteiro de 23 anos, em 11 de fevereiro. Um dia depois morreu baleado na cabeça, com um tiro disparado ao fim de uma manifestação em Caracas por agentes da inteligência nacional, segundo uma testemunha.

Outros, como Guillermo Sánchez, um pedreiro de 42 anos, foram mortos por civis pró-governamentais. "Depois o colocaram em uma moto e o lançaram aos policiais do Estado que estavam mobilizados perto do protesto, dizendo: 'trouxemos outro e esperem mais'", relata sua esposa Ghina Rodríguez.

"A esposa de Guillermo Sánchez precisou se refugiar no México recentemente, há um mês, diante das ameaças de que foi vítima por exigir justiça", enquanto "os responsáveis por esta morte seguem impunes", disse García.

A Anistia Internacional diz também ter recebido "evidências de material antidistúrbios supostamente alterado inserindo cartuchos com munições como bolinhas de gude, pregos, velas ou vidros quebrados com o objetivo aparente de provocar o maior dano possível".

O documento também denuncia detenções arbitrárias, como a de Marcelo Crovato, colaborador da organização Foro Penal Venezolano, detido em 22 de abril quando foi prestar seus serviços como advogado na residência de alguns clientes em Caracas.

E as de líderes opositores como Leopoldo López e Antonio Ledezma.

"São políticos presos por exercer a política", havia afirmado o chefe do governo espanhol, Felipe González, em declarações à rádio privada espanhola Cadena Ser, um dia após anunciar que assumirá a defesa de ambos.

A detenção dos líderes opositores deve ser debatida nesta terça-feira no Congresso dos Deputados em Madri, por iniciativa do conservador Partido Popular (PP, direita).

"As autoridades continuam tentando calar as vozes críticas", conclui a Anistia Internacional.

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