Mais de 180 países do mundo estarão reunidos em dezembro, em Paris, para a COP 21, uma reunião sobre mudanças climáticas que pretende ser um marco, assim como foi a Rio 92. Um dos grandes desafios de Paris será chegar a um acordo único em prol do clima, afirmou o deputado francês Sergio Coronado, do Partido Ecológico da França, que fez uma visita ao consulado do Recife na última quinta-feira.
Coronato ressaltou que a questão climática hoje é essencialmente política. “Um tema político porque necessita de decisões políticas de mudanças", declarou.
Um dos pontos que se pode debater, segundo o parlamentar francês, é a transferência de tecnologia de países desenvolvidos para os países em desenvolvimento para tornar o processo sustentável.
JORNAL DO COMMERCIO - O COP 21 é uma uma nova edição do Rio 92. O que mudou no mundo com relação aos cuidados com o clima desde a Rio 92?
SERGIO CORONADO - O encontro do Rio em 92 foi a primeira vez que os países de todo o mundo se reuniram sobre um tema que era a mudança climática. O que mudou foram vários fatores. Primeiro, que a situação tem piorado, está mais grave do que há quase 30 anos. O que mudou também foi a tomada de consciência por parte da sociedade civil e o trabalho feito pelos cientistas. Não há dúvida sobre a responsabilidade humana na mudança climática. Esse era um debate em 1992, durante a conferência do Rio. Muitos científicos, muitos políticos, muita gente colocou em dúvida a responsabilidade pelas atividades humanas - indústria, agricultura, transporte - pela mudança climática. Já não se coloca mais em dúvida esses fatores na mudança climática. São mudanças bastante importantes. A opinião pública está muito mais mobilizada, muito mais consciente. O que não mudou, fundamentalmente, foi a pouca responsabilidade dos países, dos governos e da classe política em geral para enfrentar a mudança climática. Temos países que seguem demorando e resistindo às mudanças necessárias. Um dos desafios que vamos ter é a natureza do acordo que se vai firmar em Paris. Não vai haver um acordo universal e obrigatório. Se há um acordo, será um acordo de boa vontade dos países, diríamos que tomar um rumo do desenvolvimento sustentável e da diminuição das emissões de carbono, que são responsáveis pela mudança climática e da transição a um modelo econômico diferente menos consumidor de matéria energética contaminadora. Essa vai ser a principal mudança desde 92.
JC - O protocolo de Kyoto alguns países não cumpriram ou não chegaram a aceitar o acordo. Corre-se o risco de acontecer isso novamente em Paris?
CORONADO - Sim, esse é um risco que temos. Não temos um governo global, mundial, mas um sistema multilateral que funciona com a vontade das Nações Unidas, por exemplo. Mas não temos um governo que possa impor um acordo universal e obrigatório que comprometa todo o mundo. Sabemos que os Estados Unidos, que China, que Índia, Brasil não querem entrar num acordo obrigatório porque consideram que, no caso caso dos países emergentes, como Brasil ou Índia ou China, que os países mais desenvolvidos têm uma responsabilidade maior na mudança climática porque o modelo de desenvolvimento que lhes permitiu chegar agora estão agora é responsável pela mudança climática e consideram que todo acordo obrigatório é um freio ao seu desenvolvimento. Esses temas, essas dificuldades, nós vamos debater em Paris. Creio que nós temos várias portas de saída. Primeiro, o compromisso da transferência de tecnologia. É uma das chaves do acordo. O compromisso dos setores econômicos em tratar de desenvolver um modelo econômico menos contaminante. E logo, também, o compromisso dos governos locais. Há localidades que alcançaram mudanças muito importantes. São pistas e chaves de que podem ser não um acordo obrigatório universal, mas que pode ser uma saída da crise que vivemos e a proposição de soluções.
JC - Que tipos de benefícios podem ser concedidos aos países em desenvolvimento para que eles poluam menos sem atrapalhar o desenvolvimento?
CORONADO - Sim, esse tema de transferência de tecnologia e também um fundo de transição para os países. Se se exige que países em desenvolvimento com dificuldades sociais e econômicas muito grandes, se vão querer que esses países se comprometam na transição de modelo econômico, energético, desenvolvimento, os países com capacidade econômica têm não só que transferir tecnologia como também arrumar um fundo que permita a esses países beneficiar-se de financiamentos econômicos para programas de transição. Isso é muito importante.
JC - A questão do clima hoje também é política?
CORONADO - O clima é um tema político. Vamos ter um planeta em poucos anos que, se não se tomar as decisões adequadas, se os governos não se comprometerem, se não nos comprometermos, vamos ter um planeta que vai viver grandes dificuldades. Dificuldades econômicas, porque o modelo custa muito caro, um modelo econômico que ... A mudança climática vai custar muito caro. Porque vamos estar em uma situação de urgência em que vamos ter as mudanças num último momento. É muito dinheiro. Um tema político porque necessita de decisões políticas de mudança, de modificações. E logo mais teremos mudanças climáticas que vão remodelar o sistema agrícola, vamos ter lugares que vão desaparecer. Países que já têm essas dificuldades, países costeiros. Vamos ter a existência de refugiados climáticos como o que estamos vivendo hoje em dia que são refugiados humanitários na Europa. Vamos ter milhões de refugiados climáticos. São temos políticos, não são apenas temas meteorológicos.
JC - O que podemos esperar dessa reunião preparatória para o COP 21 que terá na ONU neste domingo?
CORONADO - O que se tem que esperar da pré-reunião, do presidente da república, François Holland, do secretário-geral das Nações Unidas, tem que se reduzir o documento preparatório do acordo. É muito difícil por ser um acordo de 200 páginas. Tem que reduzir e simplificar. Tem que ficar de maneira muito mais clara os compromissos que são necessários dos governos. Tem, também, que identificar, claramente, com muita antecipação, os temas de desacordo, para tratar de avançar em um consenso ou para tirá-los, no que se pode constituir um acordo possível das diferentes partes das negociações internacionais da conferência. JC - Os países já desenvolvidos hoje são o maior entrave do fator climático? CORONADO - Eles têm uma responsabilidade maior na mudança climática. O modelo de desenvolvimento foi muito consumidor de energias fósseis. O consumo energético de um país como Estados Unidos de quase um ano, ou de um da Europa, tem sido muito mais importante que de um brasileiro, que de um chinês ou de um hindu. Então, a responsabilidade desses países é muito mais importante. O que não significa que não devemos ajudar os países que estão em desenvolvimento para que tomem uma direção de desenvolvimento que seja muito mais sustentável.
JC - O Papa Francisco, esta semana, conversou sobre a necessidade de se fazer mudanças sociais em prol do clima com o presidente dos EUA, Barack Obama. Quando um líder religioso, embora ele também seja um chefe de Estado, se preocupa com isso, é porque o assunto está alarmante? CORONADO - O Papa é uma consciência moral, não apenas um líder religioso. Então, em um debate público mundial, quando um líder religioso tome uma posição em favor de uma luta contra a mudança climática, é algo muito importante. É uma responsabilidade moral que ele assume de maneira muito responsável, me parece muito bem. O documento que publicou é muito útil. Isso significa também que a igreja, como organização, tomou consciência da importância da mudança climática, e por isso se compromete no debate público. Segundo, a religião e a mudança climática não estão sempre ligados. Na América Latina, há povos indígenas cuja religião tem uma relação muito harmônica com a natureza. Não é a mesma relação dos povos que os cercaram, os europeus ocidentais, de dominar a natureza. Mas de aceitar a natureza, protegê-la e viver em harmonia. Esse é o espírito que a região tem também sobre a mudança climática.