Cristina Soreanu Pecequilo é professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de Sao Paulo(Unifesp). Dentre outros livros, ela é autora, junto com Corival Alves do Carmo de O Brasil e a América do Sul: Relações regionais e globais. Nesta entrevista exclusiva ao JC ela fala sobre os desafios da diplomacia brasileira, principalmente, na América do Sul.
JORNAL DO COMMERCIO- No governo do presidente Lula a política externa aparentava ter mais relevância, mas o mesmo não ocorreu na gestão de Dilma Rousseff. Perdemos protagonismo nos últimos anos com outros países e, principalmente, com nossos vizinhos?
CRISTINA PECEQUILO - A política externa de Dilma, desde 2011, optou por uma ação internacional de baixo perfil, com menos visibilidade e menos investimento de tempo e recursos financeiros e políticos. Isso se deve a uma opção com relação à forma de inserção brasileira no mundo e mesmo na América do Sul, que surgiu como menos intensa e menos presente. Assim, o Brasil não abandonou os projetos nos quais estava, mas se absteve de liderar muitos deles, perdendo terreno para outros emergentes como a China e a Índia, incluindo nos BRICS. Protagonismo precisa ser exercido com firmeza estratégica, e isso não ocorreu, foram movimentos apenas inerciais, que colocam em xeque o patrimônio dos últimos anos no mundo em termos de credibilidade e capacidade brasileira de criar alianças, avançar projetos de integração dentre outros. Além da opção pelo baixo perfil, o governo também se viu imerso em crises internas, o que dificulta ainda mais.
JC- Como nós podemos recuperar isso diante de um quadro interno tão instável?
PECEQUILO- Se a política externa já era um campo secundário para o governo em 2011, o agravamento do quadro interno e as instabilidades internacionais, tornam esta recuperação do protagonismo improvável no curto prazo. Para um país ser forte lá fora, ele precisa estar forte e confiante dentro de suas fronteiras e não é esta a realidade atual.
JC- O Brasil no primeiro semestre buscou estreitar relações com Estados Unidos e China. É um caminho para voltar a ter esse protagonismo?
PECEQUILO - O aprofundamento destas relações (assim como as negociações com a União Europeia) poderiam, e deveriam ser um caminho. Falta, porém, uma visão estratégica destas parcerias, nas quais o Brasil defina o que espera de seus parceiros. As aproximações atuais foram realizadas de forma um tanto simplista, com foco em questões de recursos financeiros mais imediatos, que não devem vir com facilidade. O caso do pacote de investimentos chineses é exemplar: apesar das promessas de investimento chinesas no Brasil muitas não se concretizam por problemas de gerenciamento do governo dos projetos, em particular de infraestrutura. Isso acaba abalando a credibilidade do país diante dos investidores, que acabam não trazendo os recursos que poderiam. Ainda assim, tanto no que se refere à China quanto aos Estados Unidos foram abertos espaços para a venda de produtos brasileiros que são concretas (em particular no setor de carnes), só que o Brasil precisa aproveitar, mas com a crise política-econômica atual parece estar paralisado em todos os níveis.
JC- Duas eleições na América do Sul devem ser decisivas em dois países importantes na América do Sul. A primeira é na Argentina, que escolherá o próximo presidente em outubro. Como a senhora avalia uma eventual vitória da oposição em relação ao Brasil? Seria melhor a continuidade do Kirchnerismo?
PEQUILO- O kirchnerismo está esgotado em grande medida, mas as alternativas que se projetam para a Argentina na oposição também não são muito positivas, O país permanece pressionado pela crise interna e as instabilidades no Brasil, somente afetam ainda mais a economia argentina, que está se voltando cada vez mais para a China, em busca de mercados e investimentos. Isso fragiliza a relação bilateral e também o MERCOSUL, visto que seus dois principais pilares (Brasil-Argentina) parecem desconectados estrategicamente, e isso seria muito ruim para a região, pois este arranjo regional sempre foi essencial para ambas as economias e reduziu dependências dos mercados externos.
JC- A outra, é a eleição legislativa na Venezuela. A oposição Venezuela cobra que o Brasil deveria ter uma posição mais dura em relação ao governo de Nicolás Maduro. O nosso país tem condição de se envolver nessa questão interna?
PECEQUILO- O Brasil tem se envolvido pouco na Venezuela e na América do Sul, e esse é um dos problemas que mais agrava a instabilidade regional. O Brasil sempre exerceu um papel de moderador nestas questões e isso independe de recursos financeiros. O que precisamos é de vontade e de visibilidade política, como os governos de Fernando Henrique e Lula fizeram. Como maior país sul-americano o país não pode ignorar seus vizinhos, pois as instabilidades destes vizinhos afetam sua economia e política. O país é reconhecido por seus vizinhos como justo e pode mediar questões internas de seus vizinhos e na região, mas precisa sair do silêncio. O que temos visto é uma omissão, que até mesmo agrava crises como aquela entre Colômbia e Venezuela. De novo, a questão não é de recursos econômicos, mas de vontade política.
JC- Críticos afirmam que o Mercosul não consegue avançar em uma real integração econômica na região. O próprio acordo estaria em risco com a ascensão dos interesses chineses na região. Quase 25 anos depois, como a senhora avalia o atual estado do bloco?
PECEQUILO - O MERCOSUL tem uma trajetória de sucesso, mas como qualquer bloco regional atravessa fases de instabilidade (basta ver a União Europeia e as crises que tem enfrentado na economia com a Grécia e os episódios envolvendo refugiados). Superar ou não fases de instabilidade depende da escolha dos membros, de bancar compromissos. No momento atual, falta visão estratégica aos membros do MERCOSUL e isso pode colocar em dúvida suas conquistas econômicas e políticas, inclusive para o fortalecimento do compromisso democrático na região.
JC- Está na hora de o Brasil buscar novas alternativas que o distancie mais dos acordos que o desvencilhe de países da América do Sul ?
PECEQUILO- O Brasil não pode se desvencilhar da América do Sul e seus países, esta é a nossa realidade geográfica e histórica, e o continente é uma zona rica de oportunidades. A região é forte na produção de alimentos, nos recursos energéticos e mesmo em termos industriais, o que já a qualifica a ter uma inserção autonoma. Os momentos de maior crescimento regional e brasileiros estiveram associados à estabilidade regional, não se pode abrir mão disso em nossas fronteiras. De novo, vamos pensar na União Europeia, onde se vem cercas impedindo o livro trânsito de pessoas, refugiados em situações de calamidade humanitária, crises intermináveis como a grega. Ainda assim, ninguém poderia pensar em sugerir uma Alemanha fora da Europa. Da mesma forma, o Brasil é um país sul-americano. O que falta ao Brasil e à região é planejamento estratégico, quando ele existiu andamos para frente, quando não existe estagnamos. O risco do retrocesso é grande, mas o Brasil só depende dele mesmo para retomar um curso positivo, desde que gerencie suas crises.