O secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luis Almagro, denunciou nesta quinta-feira o que chamou de "autogolpe" na Venezuela.
Almagro condenou as duas sentenças proferidas esta semana pelo Tribunal Supremo venezuelano, que retirou a imunidade parlamentar dos membros da Assembleia Nacional (AN) e assumiu o papel do Legislativo.
Estas duas decisões são "os últimos golpes com os quais o regime subverte a ordem constitucional do país e acaba com a democracia", destacou Almagro em declaração oficial.
"Aquilo contra o que advertimos infelizmente se concretizou", acrescentou o diplomata, fazendo referência a relatórios de maio de 2016 e março de 2017 nos quais chamou atenção para uma tendência antidemocrática na Venezuela.
O chefe da entidade continental disse que a sentença do Tribunal Supremo da Venezuela, assumindo o controle do Parlamento, "não tem apoio constitucional" e atenta contra as "mais básicas garantias de um devido processo".
Severo crítico de Caracas desde que assumiu as rédeas da OEA em 2015, Almagro chamou os 34 países-membros da organização a "agir sem dilações". "É urgente a convocação de um Conselho Permanente no âmbito do artigo 20 da Carta Democrática" Interamericana, afirmou.
O artigo 20 da Carta estabelece à OEA agir em caso de "alteração da ordem constitucional" em um país-membro.
"Agora é a hora de trabalharmos unidos no hemisfério para recuperar a democracia na Venezuela, com cujo povo temos dívidas que nos obrigam a agir sem dilações", afirmou Almagro.
"Calar diante de uma ditadura é a indignidade mais baixa na política", destacou o ex-chanceler uruguaio no comunicado.
Em seu relatório, Almagro exortou as autoridades venezuelanas a convocar em breve eleições gerais e posteriormente lançou um ultimato: "se a Venezuela não retomar um caminho democrático dentro de um mês, deve ser suspensa da OEA".
"De uma ditadura se sai com eleições", afirmou Almagro na semana passada.
Ao final de duas sessões extraordinárias esta semana do Conselho Permanente da organização, centradas na Venezuela, vinte países do continente se comprometeram em uma declaração a identificar "soluções diplomáticas no menor prazo possível" à crise neste país.
O documento foi apenas uma expressão dos cerca de vinte países (a entidade não aprovou nenhuma resolução) que, embora preocupados com a situação na Venezuela, se distanciaram dos pedidos de suspensão de Almagro.
O Brasil, atravez do Itamaraty, condenou nesta quinta-feira (30) a decisão do Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela de assumir as funções do Parlamento, o que apontam como um duro golpe contra a democracia.
"O governo brasileiro repudia a sentença do Tribunal Superior de Justiça (TSJ) da Venezuela, que retirou da Assembleia Nacional suas prerrogativas, em uma clara ruptura da ordem constitucional", afirmou o Itamaraty em um comunicado.
O comunicado afirma ainda que "o pleno respeito ao princípio da independência de poderes é um elemento essencial para a democracia. As decisões do TSJ violam este princípio e alimentam a radicalização política".
A crise na Venezuela cruzou novas fronteiras depois que o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) assumiu as funções do Parlamento, decisão qualificada por sua ampla maioria opositora como "um golpe de Estado". A seguir, cinco pontos-chave da situação.
- Luta de poderes -
O choque de poderes é constante desde janeiro de 2016, quando a coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) assumiu o controle do Legislativo após 17 anos de hegemonia chavista.
O TSJ, acusado pela oposição de servir ao presidente Nicolás Maduro, declarou a Câmara em desacato e anulou todas as suas decisões, por ter empossado três deputados acusados de fraude eleitoral.
Na quarta-feira, a Corte assumiu as competências do Parlamento, o que a Assembleia denunciou nesta quinta como "um golpe de Estado".
A sentença "pulveriza a divisão de poderes", disse à AFP o analista Luis Vicente León, embora tenha recordado que, na prática, o TSJ já vinha exercendo funções legislativas.
Maduro, cuja gestão é rechaçada por sete em cada dez venezuelanos segundo as pesquisas, entregou seu relatório de trabalhos de 2016 para os magistrados, que também aprovaram o orçamento e validaram um estado de exceção e de emergência econômica ainda vigente.
- Eleições no limbo -
A oposição voltou em 2016 a impulsionar um referendo revogatório contra Maduro, mas o processo foi suspenso em 20 de outubro pelo poder eleitoral, que alegou irregularidades.
Descartado o referendo, a oposição pediu a antecipação das eleições presidenciais, o que Maduro rejeita. Estas eleições estão marcadas para dezembro de 2018, enquanto as estaduais, previstas para o fim do ano passado, foram adiadas por prazo indeterminado.
Como requisito para futuras votações, o poder eleitoral - também acusado de ser um apêndice do Executivo - obrigou os partidos a recolher assinaturas para serem validadas.
Busca-se "fazer eleições para o governo", advertiu à AFP o cientista político Luis Salamanca.
O trâmite é recusado, inclusive, por pequenas organizações chavistas, ao considerar que acabará "ilegalizando-as".
- Catástrofe econômica -
A queda dos preços do petróleo desde 2014 prejudicou a economia venezuelana, que recebe 96% de suas divisas da exportação do produto.
O país teve que diminuir drasticamente as importações, causando uma escassez de todo tipo de bens, o que mantém debilitada a indústria local por falta de insumos. De acordo com estimativas privadas, a economia retrocedeu 11,3% em 2016.
O agudo desabastecimento é combinado com a inflação mais alta do mundo, que o FMI projeta em 1.660% para 2017.
Maduro atribui o colapso a uma "guerra econômica" de empresários e "poderes imperiais" que, segundo ele, promovem um boicote para impedir que o país consiga financiamento estrangeiro.
Precisamente, a sentença do TSJ autoriza o governo a assinar acordos econômicos sem a aprovação do Parlamento.
- Diálogo fracassado -
Após a fracassada tentativa de convocar o referendo, governo e oposição iniciaram um diálogo político em outubro com o acompanhamento do Vaticano e da União das Nações Sul-americanas (Unasul), mas a MUD o congelou em dezembro.
A aliança opositora acusou o chavismo de não cumprir com acordos como a definição de um calendário eleitoral e a libertação de uma centena de dissidentes presos.
Para o ex-candidato à presidência Henrique Capriles, o diálogo foi uma "armadilha" que desmobilizou a oposição quando eram realizadas grandes manifestações.
"Vimos uma encenação que buscava paralisar a pressão internacional, os protestos e defenestrar a oposição gerando custos muito elevados (pela perda do apoio popular)", declarou à AFP o analista Benigno Alarcón.
- Criminalidade e direitos humanos -
Cerca de 28.000 mortes violentas foram registradas no país em 2016 - 91,8 a cada 100.000 habitantes, taxa dez vezes maior do que a média mundial -, segundo a ONG Observatório Venezuelano da Violência (OVV).
Ao mesmo tempo, multiplicam-se as denúncias de violações dos direitos humanos por parte da força pública, como execuções e invasões ilegais.