O rumo que as eleições britânicas tomaram, com um resultado mais apertado do que o previsto, preocupa a União Europeia (UE), que teme o impacto de uma falta de maioria absoluta no Reino Unido nas negociações do Brexit, ganhe quem ganhar.
A ameaça de ver as negociações de divórcio fracassar concentra as atenções de Bruxelas, que em um primeiro momento celebrou a convocatória das eleições antecipadas, porque poderiam levar a uma liderança forte em Londres, capaz de realizar concessões durante o Brexit. Concretamente, essas concessões podem abarcar a espinhosa questão da fatura a ser paga por Londres com sua saída, que segundo as estimativas seria de entre 50 bilhões e 100 bilhões de euros, e os direitos dos cidadãos europeus no Reino Unido.
As primeiras pesquisas apontam para uma vitória ampla. Quando a primeira-ministra conservadora Theresa May convocou em abril as eleições antecipadas, tinha 20 pontos de vantagem, mas seu rival, o trabalhista Jeremy Corbin, conseguiu reduzi-la a um ponto após a campanha eleitoral, segundo uma pesquisa recente.
Embora muitos em Bruxelas ainda acreditem na continuidade de May à frente do governo britânico, temem que, se for registrada uma fraca maioria, a ala eurocética de seu Partido Conservador ganhe peso e pressione para um 'Brexit radical', uma saída sem acordo com seus sócios.
"Uma falta de acordo é possível, efetivamente", reconheceu à AFP uma fonte europeia, que considerou também provável um "choque" após um início formal das negociações do Brexit, que os europeus esperam começar em 19 de junho, dias depois das eleições britânicas.
Em plena campanha eleitoral, com ameaças de uma saída sem acordo por parte do ministro para o Brexit, David Davis, o negociador europeu do divórcio, Michel Barnier, já advertiu Londres sobre os riscos de concretizá-las.
"Eu aconselharia a todo o mundo de explicar bem as consequências de uma falta de acordo", sugeriu Barnier, que não quer imaginar "uma ruptura das negociações" de divórcio, que implicaria não fechar um futuro acordo de livre-comércio entre os 27 e Reino Unido.
Para Andrew Duff, analista do European Policy Centre, com sede em Bruxelas, Reino Unido e a UE se arriscam a ver suas posições "opôr-se diametralmente", o que deverá empurrar Bruxelas a prever um plano B. "Se continuar assim, as discussões [podem] fracassar", aponta o estudo.
Um diplomata europeu, com experiência nas negociações internacionais, ressalta que é impossível para a UE antecipar a estratégia do Reino Unido, enquanto não se sentar à mesa de negociação.
"Todo o mundo está na expectativa", afirma Amandine Crespy, do Instituto de Estudos Europeus da Universidade Livre de Bruxelas (ULB).
Na sua opinião, em caso de vitória de May, "o discurso de um 'Brexit radical'" poderá esclarecer "seus limites". "Se for muito rígido, ela o reprovará, pois se verá obrigada a ceder em alguns pontos", indica a pesquisadora.
Se o líder da oposição vencer, a situação ficará ainda mais incerta. Para Crespy, "seria interessante, já que as cartas serão novamente embaralhadas", embora o esquerdista Corbyn tenha dito que respeitará a decisão dos britânicos de abandonar a UE.
À espera do resultado das eleições, a UE joga a carta da unidade dos 27 e reitera que as negociações do Brexit não abalarão sua vontade de reconstruir-se, após anos de crise e do auge do euroceticismo.
"A UE esteve muito ocupada nesses últimos dias com outros assuntos", como o presidente americano Donald Trump e a cúpula com a China, disse outra fonte europeia.
Mão direita de Jean-Claude Juncker, Martin Selmayr declarou recentemente que o presidente da Comissão Europea só dedicava meia hora por semana ao Brexit.