A polícia retomou nesta terça-feira (17) o controle do bairro indígena de Monimbó, em Masaya, acabando com o último foco rebelde nesta cidade do sul da Nicarágua símbolo do movimento popular contra o presidente Daniel Ortega.
"Hoje foi Monimbó, em Masaya, que a partir de agora está livre dos bloqueios e tem as ruas liberadas para que a população possa circular livremente", informou o governo no site oficial El 19 Digital.
"Hoje este bairro histórico celebra sua liberdade, após estar sequestrado por terroristas financiados pela direita golpista".
Masaya foi alvo de um duro ataque das forças combinadas do governo de Ortega voltado a Monimbó, símbolo dos protestos que deixaram 280 mortos em três meses na Nicarágua.
Mais de 1.000 homens fortemente armados com metralhadoras entraram disparando nesta cidade de 100.000 habitantes, localizada a 30 quilômetros ao sul da capital, segundo seus moradores.
Ao menos duas pessoas morreram no ataque, "uma mulher e um policial", informou à AFP a presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez.
"Deflagraram uma caçada indiscriminada contra as pessoas, estão invadindo casas, derrubando as portas, tirando as pessoas à força e jogando suas coisas na rua", denunciou Núñez, acrescentando que ocorreram ao menos 40 detenções.
Uma equipe da AFP tentou entrar na cidade, mas não pôde passar pois as vias foram bloqueadas por policiais de choque e paramilitares, que chegaram em 37 caminhonetes e cercaram Masaya.
Os sinos das igrejas soaram enquanto rajadas de armas de diversos calibres eram ouvidas por todos os lados de Masaya, contaram testemunhas.
"As balas estão atingindo a igreja de María Magdalena, onde o padre está refugiado", escreveu no Twitter o arcebispo auxiliar de Manágua, Silvio Báez, enquanto a comunidade internacional intensificava seus chamados a Ortega para deter a violência.
"Estão metralhando as casas de maneira irresponsável, a mensagem é que se você colocar a cabeça para fora te matam, é uma mensagem de terror", disse o secretário da Associação Nicaraguense de Direitos Humanos (ANPDH), Álvaro Leiva.
"Faço com todas as minhas forças humanas e espirituais um chamado à consciência de todos para alcançar uma trégua", urgiu o núncio no país, Stanislaw Waldemar Sommertag.
Dos Estados Unidos, o subsecretário de Estado para Assuntos do Hemisfério Ocidental, Francisco Palmieri, pediu "energicamente" ao presidente Ortega que não atacasse Masaya.
"A contínua violência e o derramamento de sangue promovidos pelo governo da Nicarágua devem cessar imediatamente. O mundo está observando", tuitou Palmieri.
Masaya foi a última etapa da chamada "operação limpeza" que policiais e paramilitares iniciaram semanas atrás para desobstruir as ruas, bloqueadas por manifestantes que exigem a saída de Ortega, ex-guerrilheiro de 72 anos que governa desde 2007.
A operação desta terça, que utilizou atiradores de elite, se concentrou em Monimbó, onde a população havia erguido barricadas de até dois metros.
"Estão nos atacando com armas de grosso calibre, é um dos ataques mais fortes que já lançaram a Masaya. É possível ouvir explosões e disparos de metralhadoras", relatou à AFP Cristian Fajardo, dirigente do Movimento Estudantil 19 de Abril.
Os jovens resistem "com morteiros e pedras", continuou.
Jovens de Monimbó com os rostos cobertos com camisas se protegeram dos disparos atrás das trincheiras, dispostos a morrer por uma "Nicarágua livre".
É um "extermínio, um massacre, um genocídio que pretendem cometer contra Masaya. Ortega está travando uma guerra criminosa contra seu povo", condenou a presidente do Centro Nicaraguense de Direitos Humanos (Cenidh), Vilma Núñez.
A cidade de Masaya se declarou em rebeldia desde que começaram, em 18 de abril, os protestos contra o governo que exigem a saída do poder de Ortega e de sua esposa e vice-presidente, Rosario Murillo.
- 'Golpe fracassado' -
O secretário da presidência da Nicarágua, Paul Oquist, assegurou nesta terça-feira que "a tentativa de realizar um golpe de Estado na Nicarágua já terminou", e advogou para que resolvam a crise mediante a retomada do diálogo.
"O golpe fracassou", disse Oquist em Bruxelas em uma entrevista à AFP.
Enquanto a vice-presidente Rosario Murillo comemorava o avanço na "libertação" das cidades das barricadas levantadas por manifestantes, os desqualificava como uma "minoria cheia de ódio".
"Vamos avançando na libertação de nosso território (...). Estamos assumindo como governo a reconstrução da paz que quiseram retirar de nós, um enorme desafio, e temos a confiança de que vamos alcançar", declarou Murillo a meios de comunicação governistas.
Em meio aos protestos, o Parlamento, controlado pelo governo, aprovou na segunda-feira uma lei que pune com 15 a 20 anos de prisão atos de terrorismo.
A tipificação inclui as pessoas que cometem atos com a intenção de "alterar a ordem constitucional ao obrigar um governo ou abster-se de fazê-lo", o que, segundo a oposição, pretende criminalizar os protestos.
Nos três meses de manifestações, 280 pessoas morreram, apesar dos chamados reiterados da comunidade internacional pelo fim da violência.
A alta representante para Assuntos Exteriores da União Europeia, Federica Mogherini, pediu nesta terça ao governo de Manágua que "acabe imediatamente com a violência, a repressão e as detenções arbitrárias, e que respeitem as liberdades fundamentais".
Também pediu "que os grupos armados irregulares se desmantelem".
A ONU acusou as autoridades da Nicarágua de graves violações aos direitos humanos e disse estar muito preocupada com o desaparecimento de dois representantes do movimento camponês, Medardo Mairena e Pedro Mena, detidos na sexta passada no aeroporto de Manágua.
Mairena, um dos delegados opositores no diálogo com o governo, foi acusado nesta terça-feira de terrorismo, assassinato e tentativa de romper a ordem constitucional da Nicarágua.
O juiz de Manágua Henry Morales acatou a denúncia da Procuradoria contra Mairena pelos crimes de terrorismo, formação de quadrilha, assassinato, sequestro, roubo e alteração da ordem pública.