Em carta antes de se matar, ex-presidente do Peru diz que prisão seria injustiça

A carta foi lida por uma das filhas do ex-presidente em seu funeral
Estadão Conteúdo e AFP
Publicado em 19/04/2019 às 16:08
A carta foi lida por uma das filhas do ex-presidente em seu funeral Foto: Foto: AFP


O ex-presidente do Peru Alan García, que se suicidou para evitar ser preso, deixou uma carta em que diz que sua detenção seria uma humilhação pessoal e que ele não iria sofrer esta injustiça.

O corpo de García, um dos vários políticos suspeitos de fazer parte de esquemas de corrupção da construtora Odebrecht no Peru, foi velado nesta sexta-feira. A família rejeitou a realização de um funeral com honras de Estado. A carta foi lida por uma das filhas dele.

"Não tenho porque aceitar vexames. Eu vi outros desfilarem algemados mantendo sua miserável existência, porém Alan García não tem porque sofrer estas injustiças e circos. Lhes deixo meu cadáver como uma mostra de desprezo aos meus adversários", leu com voz embargada Luciana, a filha do ex-presidente.

A Associated Press não pode comprovar até o momento o dia nem a hora em que foi escrita, tampouco se foi manuscrita ou datilografada.

A procuradoria peruana alega que García teria recebido US$ 100 mil de propina da Odebrecht, sob a alegação de pagamento por uma conferência que ele ministrou em São Paulo em 2012.

Veja abaixo o texto completo da carta, lido diante do caixão do ex-presidente, na presença de centenas de seguidores no local. Esse foi o último ato das cerimônias fúnebres, antes de se dirigirem ao crematório. 

Carta

"Cumpri a missão de conduzir o aprismo (do seu partido Apri) ao poder em duas ocasiões, e impulsionamos outra vez sua força social. Acho que essa foi a missão da minha existência, tendo raízes no sangue desse movimento. 

Por isso e pelos contratempos do poder, nossos adversários optaram pela estratégia de me criminalizar durante mais de 30 anos. Mas nunca encontraram nada, e derrotarei-os novamente, porque nunca encontrarão mais que suas especulações e frustrações.

Nesses tempos de rumores e ódios repetidos que as maiorias acreditam ser verdade, vi como se utilizam os procedimentos para humilhar, vexar, e não para encontrar verdades. 

Por muitos anos, me situei acima dos insultos, me defendi e a homenagem de meus inimigos era argumentar que o Alan Garía era suficientemente inteligente, como se eles não pudesse provar suas calúnias. 

Não houve nem haverá contas, nem subornos, nem riquezas. A história tem mais valor que qualquer riqueza material. Nunca poderá haver preço suficiente para quebrar meu orgulho de ser aprista e peruano. Por isso repeti: outros se vendem, eu não.

Com meu dever cumprido na minha política e nas obras feitas a favor do povo, alcançando as metas que outros países e governos não conseguiram, não tenho por que aceitar vexames. Eu vi outros desfilarem algemados, resguardando sua existência miserável, mas Alan García não tem porque sofrer essas injustiças e circos. 

Por isso, deixo a meus filhos a dignidade de minhas decisões; a meus companheiros, um sinal de orgulho. E meu cadáver como uma mostra de seu desprezo pelos meus adversários, porque já cumpri a missão que me impus. 

Que Deus, a quem vou dignidade, proteja os de bom coração e os mais humildes".

Funeral

No funeral, o ex-primeiro-ministro Jorge del Castillo, que serviu ao governo de García entre 2006 e 2008, disse que García foi o "melhor presidente do Peru".

Ricardo Pinedo, secretário pessoal de García, comentou que os detratores do ex-presidente "não entenderão que o único objetivo dele era um lugar na História". "Eles viverão presos aos seus ódios e assim morrerão", disse.

Pouco depois, milhares de simpatizantes procedentes de todo o país foram à sede da Aliança Popular Revolucionária Americana (Apra) para seguir o cortejo funeral pelas ruas de Lima.

O funeral foi antecedido de outra tragédia. Um ônibus com militantes que iam para o enterro de García capotou nas proximidades de Lima. Oito pessoas morreram e mais de 40 ficaram feridas.

García morreu na última quarta-feira horas depois de disparar com um revolver Colt contra a cabeça ao saber que seria preso preventivamente. Ele tinha 69 anos e foi presidente de 1985 a 1990, quando o país entrou na maior crise econômica contemporânea, e de 2006 a 2011. Na corrida presidencial de 2016 terminou em 5º lugar, com apenas 5,8% dos votos.

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