Capacidade de investimento em baixa, 93% do orçamento engessado com despesas obrigatórias (como Previdência e gastos com funcionários públicos), dívida pública descontrolada, – equivalente a 77% do Produto Interno Bruto (PIB) –, e necessidade de realizar urgentemente reformas estruturais importantes, tudo isso obedecendo ao Teto dos Gastos. Esse é o cenário fiscal desafiador que o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), vai encontrar quando assumir o cargo em janeiro de 2019. Ele precisará de jogo de cintura para discutir medidas impopulares e desatar o nó das contas públicas, sob o risco de ver as condições do ambiente de negócios se deteriorarem. “Se não fizer (os ajustes), você corre o risco de ter uma nova crise econômica. O que tem que ficar claro é saber que não só tem o benefício de fazer, como tem o custo de não fazer”, alerta o diretor de macroeconomia do Ipea, José Ronaldo Souza Júnior.
Para especialistas consultados pelo JC, não há mais espaço para cortar gastos discricionários (não obrigatórios, que incluem despesas com obras, manutenção da máquina pública, parte da educação e da saúde, e outros itens), que já chegaram ao limite. Segundo o projeto de Orçamento 2019, enviado pelo Executivo ao Congresso, a previsão é de que a verba direcionada para estes fins será de R$ 98,4 bilhões, a menor em 12 anos. É hora de atacar despesas obrigatórias, começando prioritariamente pela reforma da Previdência.
No próximo ano, os custos previdenciários do setor público, privado e dos militares vão totalizar R$ 767,8 bilhões, 53% dos gastos totais. Esse valor é três vezes acima do gastos com saúde, educação e segurança juntos, segundo o governo federal. A previsão é de que só o déficit (quando as despesas são maiores do que a receita) dos benefícios previdenciários de militares e funcionários públicos será de R$ 90 bilhões.
Caso a reforma não seja feita, o risco mais imediato é de abalar a confiança dos empresários de que o Brasil vai arrumar as contas públicas. “A bomba da Previdência não vai explodir amanhã. Mas o déficit só aumenta a cada dia, a conta está maior e mais cara, então, fazer a reforma agora ajudaria a ter ganhos no futuro. No curtíssimo prazo, o maior efeito será sobre a confiança. A expectativa positiva quanto à reforma pode fortalecer o câmbio (com o dólar barato, as importações aumentam, trazendo concorrência para o mercado e garantindo preços mais baixos, o que impacta a inflação), diminui o risco País, assim a inflação fica controlada e o Banco Central não precisará aumentar os juros”, explica o pesquisador sênior da área de economia aplicada do FGV Ibre, Marcel Balassiano.
Com as despesas obrigatórias tomando quase todo o orçamento, Jair Bolsonaro não deverá conseguir fazer grandes ampliações de programas educacionais e sociais e terá que priorizar investimentos. Além disso, o Teto dos Gastos impede o crescimento das despesas totais acima da inflação, independentemente da arrecadação do governo crescer. Medidas anunciadas pelo presidente eleito, como o 13º do Bolsa Família, vão precisar tomar o lugar de outra despesa já existente. “Essa noção de restrição orçamentária é o que o Teto dos Gastos traz e que é muito positivo, é uma medida que ajudou a dar um horizonte aos agentes econômicos. Porém, o gasto só vai crescer pela inflação passada se as despesas passarem a ter uma dinâmica mais contida. Isso significa que precisa aprovar as reformas estruturais. Nosso exercício mostra risco de rompimento do teto em 2021. Precisamos ter a capacidade de avaliar o teto e evitar que seja precocemente abandonado, o que geraria um problema muito grande do ponto de vista da gestão política fiscal. O desafio do próximo presidente é mostrar quais os remédios vai usar para combinar uma terapia necessária para tirar o paciente da UTI. O indicador macroeconômico só vai melhorar quando o próximo governo tiver capacidade de anunciar conjuntos de ações que sejam críveis. Difícil acabar com o déficit da noite para o dia”, comenta o diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Scudeler Salto.
Uma saída para incrementar os investimentos é ganhar a confiança da iniciativa privada. “Vai passar pelo governo estimular um ambiente regulatório que traga investimento. A tendência é o governo investir em áreas que não dariam resultado financeiro à iniciativa privada. A questão fundamental é escolher muito bem os projetos que tragam retorno para a sociedade, que necessitam de aporte público”, diz Souza Júnior.
Outra oportunidade presente em 2019 é a mudança da política do salário mínimo. As regras atuais que atualizam o salário de acordo com a inflação medida pelo INPC e a variação do PIB, garantindo reajustes reais, vai expirar em 1º de janeiro de 2019. Como o salário mínimo está atrelado a benefícios previdenciários, uma alteração pode aumentar ou diminuir os gastos do governo. Para equilibrar os gastos, o governo federal precisará, também, enfrentar o Congresso com objetivo de deter aumentos de servidores públicos. É que a bancada dos servidores corresponderá a 25% da Câmara dos Deputados. A estimativa do Executivo é de que os gastos com folha de pessoal corresponderão a 38,5% da receita corrente líquida no próximo ano. Também será necessário ter uma boa relação para aprovar projetos como privatizações, tema polêmico.
Diante do cenário fiscal turbulento, a única certeza que Jair Bolsonaro terá é que haverá muitos desafios. “Pensando só na questão econômica, talvez essa fosse uma boa eleição para se perder. Porque quem ganhar vai acumular um desgaste monumental”, comenta o professor de economia da FGV Felipe Serigatti.
Jair Bolsonaro (PSL) já anunciou que vai fazer mudanças na Previdência, mas ainda não revelou muitos detalhes. O projeto ainda está sendo estruturado por sua equipe econômica, que analisa alterações em apenas algumas regras ou a reformulação total do sistema. Como presidente, Bolsonaro terá que enfrentar um assunto espinhoso: a Previdência dos militares. É que o déficit deste grupo cresce a cada ano. No projeto do Orçamento de 2019, está previsto que o déficit será de R$ 43,3 bilhões, contra R$ 42,6 bilhões este ano. O documento também mostra que o valor é semelhante ao do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), relativo aos servidores civis, no valor de R$ 44,3 bilhões.
Professor do departamento de Ciência Política da UFPE, Ernani Costa a tendência é que Bolsonaro, que é capitão reformado do Exército, trate a questão com corporativismo. “O perfil do Bolsonaro é estadista e nacionalista. Na campanha, ele afirmou que o governo não estaria imbuído de estadismo, era coisa de esquerda. Mas eu creio que no tocante aos militares, a tendência vai ser o corporativismo. Pouco ou nada será alterado nessa linha dos militares”, comentou.
Segundo dados de levantamento realizado pelo TCU em 2016, a despesa média anual com beneficiários militares ficava em torno de R$ 97,6 mil. Já cada aposentado do setor privado, do INSS, o custo era de R$ 17,4 mil.
O pesquisador sênior da FGV Marcel Balassiano afirma ser preciso fazer ajustes na Previdência dos militares levando em consideração as especificidades da carreira.
“Eles têm que ter uma diferenciação assim como professor e policial por várias questões, o trabalho é diferente. Só não vale fazer ajuste de apenas um lado”, comenta.