Os compromissos urgentes de Bolsonaro com a democracia

Além das obrigações de longo prazo como segurança, educação e saúde o mandatário precisará reafirmar o casamento com a democracia
Paulo Veras
Publicado em 29/10/2018 às 7:35
Além das obrigações de longo prazo – como segurança, educação e saúde – o mandatário precisará reafirmar o casamento com a democracia Foto: Foto: Agência Brasil


Tão logo assumir, Jair Bolsonaro (PSL) tem urgência em nome da pacificação e permanência na rota de saída da recessão. Para além das obrigações de longo prazo – como segurança, educação e saúde –, diante dos temas tratados na campanha e do quadro atual, o mandatário precisa reafirmar o casamento com a democracia, reorganizar as contas, buscar saídas rápidas para gerar emprego e olhar com carinho para o Nordeste.

Após uma campanha de arroubos, Jair Bolsonaro (PSL), que assumirá a Presidência da República a partir de 2019, precisará prezar pela democracia que o elegeu e respeitar as instituições para evitar um mandato de crises e governar para todos os 208 milhões de brasileiros. Nas palavras do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Carlos Ayres Britto: “Se o candidato pode defender posturas inconstitucionais e exagerar na retórica, outra coisa é no exercício do poder. Se no cargo a autoridade se revelar incompatível com a Constituição, a sociedade fica em um dilema jurídico: ou a Constituição ou o presidente. E a resposta só pode ser que a Constituição fica e o presidente sai, o que se chama de impeachment. Quem chega para exercer o cargo de presidente tem de baixar a crista antidemocrática”.

Democracia ameaçada?

No último dia 19, pesquisa Datafolha mostrou que 50% dos brasileiros acreditam haver alguma chance de uma nova ditadura no País. Entre 2014 e 2018, a satisfação dos brasileiros com a democracia recuou de 38,9% para 19,4%, segundo artigo do professor Leonardo Avritzer, da UFMG. Não à toa, outubro de 2018 foi o mês em que mais brasileiros pesquisaram pelas palavras “democracia”, “ditadura”, “fascismo”, “comunismo” e “Venezuela” desde o início do monitoramento da ferramenta Google Trends, em 2004.

“Bolsonaro vai encontrar um País dividido e um segmento expressivo da população com medo, inclusive de retaliação. E você vai ter uma série de correligionários que vão se sentir empoderados pelo discurso eleitoral do candidato. É importante que ele abrande o discurso e busque a união. Um País efetivamente dividido é um País ingovernável. E é importante que ele reafirme para todos os cidadãos que nós não teremos uma ruptura da ordem democrática e que ele respeitará a autonomia das instituições”, defende Ronnie Duarte, presidente da OAB-PE.

Durante a campanha, não foram poucas as vezes em que Bolsonaro apelou a discursos autoritários. Uma semana antes do segundo turno, mesmo liderando todas as pesquisas, ele disse em uma fala transmitida a aliados na Avenida Paulista que o adversário Fernando Haddad (PT) seria preso, antes de prometer uma “limpeza nunca vista na história do Brasil”. “Essa turma, se quiser ficar aqui, vai ter que se colocar sob a lei de todos nós. Ou vão para fora ou vão para a cadeia. Esses marginais vermelhos serão banidos de nossa pátria”, declarou na ocasião.

Dois dias depois, em entrevista a uma rádio do Rio Grande do Sul, Bolsonaro garantiu não ser uma ameaça à democracia. “Pelo contrário, nós somos a garantia da liberdade e da democracia”, assegurou. Posturas como estas serão importantes para o sucesso do governo. Na semana passada, após um vídeo em que o filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro diz ser fácil fechar o STF, o agora presidente eleito tratou de reagir para reduzir atritos. “Isso não existe. Se alguém falou em fechar o STF, precisa consultar um psiquiatra”, alegou.

O sociólogo Brasílio Sallum Jr., professor da Universidade de São Paulo (USP), diz que o novo presidente precisará reduzir as animosidades, ter a preocupação de governar para todos e lembrar que os adversários políticos não devem ser tratados como inimigos. “O presidente vai, de toda maneira, enfrentar uma situação complexa e difícil. Primeiro porque carregamos há anos um déficit fiscal forte, com nós que precisarão ser desatados, como a reforma da Previdência. Além disso, o presidente tem hoje menos poder institucional do que seus antecessores. Desde 2015, o Executivo é obrigado a pagar as emendas parlamentares ao orçamento, o que era um trunfo nas negociações com o Congresso”, lembra.

Apesar disso, um elemento nocivo já se estabeleceu na política brasileira, de acordo com o cientista político Michael Mohallem, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Pela primeira vez depois de 30 anos da volta da democracia, nós temos o elemento medo na política. E ele é uma coisa muito ruim. Mas é um dado muito difícil de se negar. As pessoas estavam com receio de fazer campanha. Pessoas LGBT têm medo de demonstrar afeto em público. É preciso que as instituições funcionem, isso vale do policial da esquina ao STF, para evitar impulsos que passem da linha”, defende.

Para Roberto Romano, doutor em Filosofia e especialista em ética política, Bolsonaro terá atritos inevitáveis em seu governo. Para ele, diversos grupos que apoiaram o novo presidente, como generais, empresários e os técnicos da área econômica e das Forças Armadas tendem a ter pautas distintas, o que aumentará a responsabilidade do presidente. “É preciso que ele tenha condições objetivas para encarar essas dificuldades. Para entender a posição desses vários setores e tomar decisões que sejam favoráveis ao País”, diz.

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