A força-tarefa da Operação Zelotes, que investiga suposto esquema de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) - órgão ligado ao Ministério da Fazenda -, denunciou nesta terça-feira (5) cinco investigados por tráfico de influência, corrupção ativa e passiva e lavagem de dinheiro.
São acusados Benício Júnior, conselheiro do Carf desde 2008 (seu mandato iria até 2017), Guilherme Macedo Soares, advogado do escritório de Benício Júnior, Paulo Roberto Cortez, conselheiro do Carf desde 2012 e auditor fiscal da Receita Federal aposentado, Nelson Mallmann, conselheiro do Carf em 2000/2006 e 2009/2013 e auditor fiscal da Receita Federal aposentado, e Pedro Anan.
Segundo as investigações, o grupo de advogados, conselheiros e ex-conselheiros do Carf atuou de forma fraudulenta para que o tribunal administrativo cancelasse, em 2014, uma cobrança de R$ 8,6 milhões (valor não corrigido) imposta pela Receita Federal a Walter Faria, que atua no setor de bebidas.
O empresário - que não está entre os denunciados - recorreu ao Carf em 2008, depois de ser autuado pela Receita Federal em um procedimento administrativo que apurou irregularidades na declaração de Imposto de Renda - pessoa física - apresentada por ele em 2003.
Na ação encaminhada à Justiça, os procuradores que integram a força-tarefa da Zelotes afirmam que o recurso de Walter Faria tramitou no Carf durante três anos sem que fosse incluído na pauta de julgamentos. Em 2011, após sucessivas trocas de defesa, o empresário contratou o escritório paulista Benício Advogados Associados, que tem como sócios os pais de Benedicto Celso Benício Júnior, então conselheiro do Carf e um dos denunciados pela Procuradoria.
Ainda segundo a denúncia, mesmo exercendo mandato no órgão de julgamento, Benício Júnior atuou como advogado de defesa do contribuinte, tarefa para a qual contou com o trabalho de Guilherme Macedo Soares, advogado em seu escritório e que também foi denunciado à Justiça.
"De acordo com as provas recolhidas no decorrer do inquérito policial, o que se seguiu a essa contratação foi uma intensa negociação acompanhada de vários adiamentos conseguidos graças a expedientes como pedidos de vista, sobrestamento do processo e até "aditamento com apresentação de novas provas". Ao todo, foram mais de dez incidentes provocados pelo advogado e conselheiro Benício Júnior", aponta nota da força-tarefa.
Os procuradores afirmam em um dos trechos da ação. "Tal providência era essencial para o sucesso da empreitada criminosa subsequente, pois permitiria que os agentes envolvidos preparassem a corrupção para a manipulação do julgamento do procedimento administrativo fiscal."
Os agentes envolvidos são, de acordo com o Ministério Público Federal, Paulo Roberto Cortez e Nelson Mallmann. Auditores fiscais aposentados e ex-conselheiros do Carf, os dois teriam se valido da influência que afirmavam ter junto ao órgão para cooptar clientes aos quais ofereciam "vantagens" na apreciação dos recursos junto ao tribunal ligado ao Ministério da Fazenda (MF).
No caso envolvendo a demanda de Walter Faria, as investigações revelaram que, nove dias antes do julgamento, Cortez e Mallmann assinaram um contrato de prestação de serviços com o escritório Benício Advogados Associados. Para os investigadores, no entanto, a contratação foi apenas uma estratégia para camuflar o recebimento de valores pela prática de atos ilícitos junto aos conselheiros do Carf.
"A dissimulação é tão esdrúxula que Paulo Cortez e Nelson Malmann sequer são advogados ou tinham procuração nos autos, o que torna evidente que o contrato assinado não correspondia à realidade dos fatos", sustentam os procuradores. Na ação, eles destacam ainda que, à época dos fatos, o escritório Benício possuía mais 300 advogados contratados e representava, apenas no Carf, cerca de 450 clientes.
Os documentos apreendidos durante a fase preliminar das investigações, entre os quais estão mensagens trocadas entre os envolvidos, evidenciaram que coube a Cortez e a Mallmann negociar com os conselheiros Antônio Lopo Martinez (relator do caso e cujo voto foi contrário a Walter Faria) e Pedro Anan Júnior que votou favorável ao recurso do contribuinte no julgamento realizado em 14 de abril de 2014.
Ainda segundo o processo, pelo voto decisivo, Pedro Anan recebeu R$ 46.925,00. O valor foi repassado ao conselheiro em agosto de 2014, menos de dois meses após Benício Júnior receber os honorários advocatícios de Walter Faria. O empresário pagou ao escritório R$ 1.069.542,19.
De acordo com os investigadores, não foram encontradas provas de que Walter Faria tinha conhecimento das negociações irregulares e da propina paga aos intermediários e ao conselheiro responsável pelo voto. Por isso, o nome do empresário não aparece entre os denunciados.
O pagamento de Benício Júnior a Pedro Anan foi feito por meio de depósito na conta corrente do escritório Anan Advogados. Para justificar o repasse, conforme esclarecem os investigadores, de novo, o expediente adotado foi o da simulação de um contrato de prestação de serviços.
Benício teria encomendado a Anan um parecer jurídico sobre PIS/COFINS. Um detalhe chamou a atenção dos investigadores. O escritório Benício Advogados Associados está entre os três mais admirados do país em matéria tributária. Além disso, Benício Júnior não só é especialista no tema como costuma ministrar cursos de atualização na área.
Crimes
Os procuradores da República Frederico de Carvalho Paiva e Hebert Reis Mesquita - que assinam ação - pedem que Benedicto Celso Benício Júnior, Guilherme de Macedo Soares, Paulo Roberto Cortez e Nelson Mallmann respondam por corrupção ativa, cuja pena varia de dois a 12 anos de reclusão.
No caso do conselheiro Pedro Anan Júnior, o Ministério Público Federal entende que ele deve responder por corrupção passiva, que também tem pena prevista de dois a 12 anos de reclusão. A ação pede ainda que Paulo Cortez e Nelson Mallmann também respondam por tráfico de influência, por terem "vendido" vantagens indevidas junto ao Carf.
No caso de Pedro Anan, além da corrupção passiva, os procuradores apresentaram denúncia por lavagem de dinheiro - prática que também foi atribuída a Benício Júnior - e por violação de direito autoral. É que, de acordo com as investigações, o suposto parecer sobre PIS/Cofins foi na verdade "um trabalho montado a partir de trechos de artigos disponíveis na internet, especialmente de uma obra dos autores Jerônimo Antunes e Vinicius de Castro Alves Sampaio".
Além das penas individuais, o MPF pede que a Justiça determine a perda dos cargos públicos dos envolvidos, inclusive a cassação de aposentadorias e ainda que os cinco sejam condenados a devolver - de forma solidária - R$ 8,6 milhões aos cofres públicos. No caso de Benício Júnior e Pedro Anan, também foi pedida a perda, em favor da União, de R$ 46,9 mil, decorrentes do crime de lavagem de dinheiro. A ação penal será analisada na 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília.
A reportagem não conseguiu localizar os denunciados.