Em entrevista ao JC, o sociólogo e cientista político Antônio Lavareda, com vasta experiência em estratégia de comunicação para políticos e governos, avalia o quadro atual da política brasileira, arriscando um palpite. Para ele, apesar das novas denúncias contra membros do governo Temer, inclusive envolvendo o próprio presidente interino, não devem trazer desdobramentos que possam inviabilizá-lo. Ao priorizar o ajuste econômico, o peemedebista estaria no caminho certo na opinião de Lavareda e, se conseguir com isso uma avaliação positiva acima de 30% poderá disputar com chance uma reeleição em segundo turno. Dilma não se livraria do impeachment e Lula também provavelmente não venceria as eleições presidenciais de 2018.
JC – O governo do presidente interino está mais complicado, com as citações de Sérgio Machado. Como o senhor avalia as delações que derrubaram mais um ministro (Henrique Eduardo Alves) e citam o próprio Michel Temer?
ANTÔNIO LAVAREDA – Elas aqueceram a crise política, mas não trazem a crise para novo patamar. Caiu mais um ministro, tal como outros dois tinham sido afastados, voluntariamente, inclusive. O presidente se dirigiu à Nação e reconheceu o embaraço para o governo. Os jornalistas, de forma mais fria, já avaliam que, se ainda verdadeira fosse, a denúncia concerne ao mandato anterior. Não poderia, então, ensejar um processo de impeachment. Não há desdobramento com impacto institucional.
JC – O senhor acha que a população compreende que as acusações são referentes a um outro momento? Temer soma impopularidade.
LAVAREDA – A opinião pública constitui um vetor importante da legitimidade desse novo governo. Quando digo que isso aquece a crise política, estou dizendo que retarda o processo de legitimação, na sociedade, do novo governo. Quero lembrar que a última pesquisa CNT/MDA perguntou às pessoas sobre o desempenho pessoal do presidente Temer. Em fevereiro, Dilma tinha 22% de aprovação; agora, 34% dizem que aprovam Temer. A mídia tem lançado luz sobre os 11% de ótimo e bom do seu governo e esquecido que ele aparece com um terço de aprovação no desempenho pessoal. Em fevereiro, 74% desaprovavam Dilma. Em relação a Temer, cai para 40%. É óbvio que Temer precisa avançar, mas não é alguém com situação tão terrível. Os 34% são um crédito de confiança na figura do presidente.
JC – Se confirmado o impeachment de Dilma, como o governo Temer alcançaria a aprovação?
LAVAREDA – Eu acho remota a hipótese de o Senado restituir o poder a Dilma. Estimo que 58 senadores serão favoráveis ao impeachment. Outros acham que haverá percalços por conta da Lava Jato e o governo Temer será interrompido em algum momento. A Lava Jato está para o governo Temer como o túnel escuro está para um trem fantasma. Ele acertou na escolha do vagão sobre o qual assentou o governo, que é o do esforço para administrar a economia e apresentar resultados. A pesquisa CNT/MDA mostra que, de certa forma, ele estava certo. Em relação às principais ações desse governo, 97% das menções das pessoas são relativas à economia, sendo 57% delas geração de emprego; 25% melhorar o resultado da economia, e 15% redução dos gastos do governo. Até recentemente, o tema do topo das pesquisas era a saúde, que aparece agora com 41%. E o combate à corrupção, que chegou a liderar o ranking, está em terceiro lugar, com 31%.
JC – A economia depende do cenário político. Dará tempo ao governo Temer realizar o que pretende?
LAVAREDA – Em alguns momentos, é a economia que influencia a política. Se não houvesse crise econômica, Dilma estaria lá (na Presidência), com ou sem Lava Jato. À medida em que avance a percepção de que o País está no rumo certo e a economia começou a produzir resultados, o nível de legitimidade na opinião pública do presidente, com rebatimento no mundo político, no Congresso e instituições, avança.
JC – Vamos dizer que a Lava Jato não interfira no governo, mas medidas anunciadas por Temer são impopulares e polêmicas. O senhor acredita que ele conseguiria alcançar um nível bom de popularidade?
LAVAREDA – Vai ser um erro se esse governo fizer com que os mais pobres paguem as contas do ajuste. O Brasil usa apenas 16,9% dos gastos públicos com a população mais pobre. Mexer em programa como Bolsa Família, educação e saúde básicas são apostas infelizes. Não significa que os programas não mereçam ser avaliados.
JC – Como vai votar em 2018 o público que elegeu Dilma ?
LAVAREDA – É impossível imaginar quem estará no hipotético segundo turno de 2018. Se Michel Temer conseguir fazer um governo com mais de 30% de avaliação positiva, ele é candidato à reeleição e muito provavelmente estará no segundo turno. É o máximo de previsão. O candidato do PSDB na eleição passada (Aécio Neves) já foi citado três vezes na Lava Jato e a rejeição a ele cresceu. Em fevereiro, Aécio tinha 41% e Lula, 28%. Em junho, Aécio tem 34% e Lula, 30%, ou seja, empate técnico. Fazer previsão agora é excessiva futurologia. Quanto ao ex-presidente Lula, eu posso dizer que dificilmente ganhará eleição em 2018. Na pesquisa Ibope de fevereiro, 61% dos brasileiros dizem que não votariam nele de jeito algum. Na CNT/MDA, 72% dizem que Lula é responsável pelos fatos denunciados na Lava Jato. O maior problema eleitoral de Lula foi ter bancado Dilma.
JC – Quem teria chance na próxima eleição? Seria uma pessoa nova?
LAVAREDA – Em outro momento de crise de representação, em 1989, todos os caciques foram varridos. No segundo turno, havia Fernando Collor e Lula. Alguma coisa pode ocorrer em 2018? Por que eu não posso dizer nada sobre isso? Quem podia imaginar que em 1998 Lula e FHC disputariam o segundo turno? Em 1992, quem podia imaginar que Fernando Henrique seria presidente da República dois anos depois, se ele tinha dificuldade de se eleger como deputado federal? Em 2000, todo mundo sabia que Lula era candidato. Embora tivesse desempenho razoável, mas quem sabia que seria eleito em 2002 com aquela montanha de votos? Em 2008, no início, ninguém sabia que Dilma era a candidata do presidente Lula para 2010.
JC – Qual a situação de Marina Silva nesse cenário?
LAVAREDA – Outro dia eu disse que Marina parece aqueles jogadores de futebol que atuam sem se mexer. Ela fica preservando o seu patrimônio eleitoral, que não é pequeno. Marina continua uma pessoa diferente, que vai ter papel importante. Se houvesse eleições em 2016, cuja exequibilidade é zero, seria fortíssima. Em 2018 dará Marina? Não sei.
JC – Qual o risco de, na eleição de 2018, um candidato populista vencer? De haver um novo Fernando Collor?
LAVAREDA – A sociedade tem um aprendizado coletivo. Depois de 2014, o Brasil será reticente com proposta de campanha. Aprendeu a dura força com Dilma de que proposta de campanha não se subscreve. A imprensa brasileira jamais tratará um candidato como tratou Collor em 1989. Ele foi viabilizado pela mídia, despertou encanto disparado, até porque a elite tinha medo de (Leonel) Brizola. Quanto mais turvo o quadro, de imprevisibilidade e em situações críticas (protestos), quando o tecido social está mais revolto, fica mais propenso à emergência do novo. E o novo chega como fator surpreendente. Erundina se elegeu assim em São Paulo em 1988.
JC – Esse novo será mais de esquerda ou liberal?
LAVAREDA – Olhe o que está ocorrendo na América Latina. Teve a emergência de governos de esquerda e centro-esquerda, populismo de esquerda em alguns países, caso da Venezuela, Bolívia e Equador. Finda essa fase, o pêndulo se desloca à centro-direita, tendência do Brasil em 2018. A Argentina já sentiu isso. No Peru, o segundo turno foi disputado por dois candidatos de centro-direita. Não acredito muito que o populismo de direita tenha espaço no Brasil. A maioria do eleitorado brasileiro se situa ao centro, conservador para algumas coisas, progressista para outras. Em 1964, às vésperas do golpe militar, 70% dos brasileiros diziam ser favoráveis à reforma agrária e 75%, contrários à legalização do Partido Comunista. O Brasil é um dos países com maior taxa da população contrária ao aborto. Um candidato de extrema direita ou de extrema esquerda dificilmente será vitorioso.
JC – Essa tendência chegaria ao Legislativo?
LAVAREDA – Há um fortalecimento das corporacões religiosas. Dependendo das regras de financiamento das campanhas, os grupos que vão financiar a composição dos parlamentos são associações, sindicatos, igrejas, corporações de produtores do interior, do agronegócio. Vai haver cada vez mais predominância dessas corporações na disposição de cadeiras nos Legislativos.
JC – O que o senhor defende como reforma para haver uma representatividade legítima?
LAVAREDA – Não podemos perder uma oportunidade de ouro para reformas institucionais. A Lava Jato mostrou que o sistema político é financiado de forma ilegal. Na hora em que a sociedade descobre isso, tem dois caminhos. Prende os envolvidos e está tudo resolvido ou muda o sistema. Nós temos essa regra, que é muito cara, uma disputa sanguinolenta, disputa do Recife a Petrolina. Reduz em 70% os custos se adotar um sistema proporcional de lista fechada, que é o da Espanha e de Portugal, ou 70% também se adotar o sistema alemão, com sistema proporcional de lista fechada e voto distrital, que é o da Inglaterra e EUA. O voto distrital dá um choque de proximidade entre representante e representado. O voto de lista fechada dá um choque de partidarização. O partido se comporta como uma marca. Não pode ter notícia negativa contra o partido, pois todos se prejudicam. Sou favorável ao modelo alemão, que faz as duas coisas.
JC - É possível fazer uma reforma antes de 2018?
LAVAREDA - Sim, um ano antes. O Congresso tinha 8% de avaliação positiva quando Dilma só tinha 11%. Não é possível que os parlamentares não se deem conta dessa avaliação negativa.
JC - O que é o Conselho de Notáveis formado pelo Tribunal Superior Eleitoral do qual o senhor faz parte?
LAVAREDA - O Conselho tem três subgrupos, um sobre sistema de votação, outro sobre prestação de contas e campanhas e outro sobre regras eleitorais. Qual a função dos conselheiros? Ajudar a subsidiar, dar sugestões ao TSE para que o tribunal tenha desempenho melhor no que concerne à sistemática de prestação de contas nas eleições, sistema de eleição e regras eleitorais. A minha percepção é de que as regras eleitorais vigentes em 2016 são laboratoriais. Pouca gente acredita ou tem certeza de que não vão se mostrar eficazes. Vai ser muito importante ajudar o tribunal a fazer uma reflexão sobre o impacto das medidas e ajudar o Congresso a mudar as regras eleitorais do País. A atual legislação estabeleceu redução dos custos das campanhas. De um lado diminuiu o tempo no rádio e na TV de 45 para 30 dias, mas por outro, triplicou o número de programas eleitorais, por isso não haverá impacto. Antes eram 36 programas, agora serão 60. São mais curtos, no entanto, para o custo contam mais a quantidade e a periodicidade. O trabalho de TV e rádio aumentou.