Mais de três anos após o início de sua tramitação no Senado, o projeto que pretende acabar com a guerra fiscal nos estados (PLS 130/2014) pode ter decisão final no Plenário na quarta-feira (12). O texto substitutivo que veio da Câmara dos Deputados foi ajustado na Comissão de Assuntos Econômicos pelo relator, Ricardo Ferraço (PSDB-ES). E seu parecer foi aprovado na terça-feira, seguindo com urgência para a última etapa de votação.
Na avaliação de Armando Monteiro (PTB-PE), há hoje consciência de que a concessão desenfreada de incentivos do principal tributo estadual, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), provocou concorrência predatória entre os estados para atrair investimentos, perda significativa de receita e insegurança jurídica às empresas beneficiadas.
Muitos desses convênios foram feitos sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que exige unanimidade de todos os secretários de Fazenda dos estados para convalidar os benefícios fiscais. Assim, tornaram-se unilaterais e inconstitucionais. O assunto foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF), que já deu sinais que pode aprovar uma súmula vinculante. Essa decisão do STF, se aprovada, transformaria esses benefícios em dívidas tributárias. Além disso, há muitos questionamentos na Justiça e no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre cobranças da Receita.
Portanto, diante desse cenário de litigiosidade, incertezas e prejuízos, a aposta de Armando e de vários outros senadores é que o projeto será aprovado no Plenário. “Vamos encerrar esse capítulo da guerra fiscal”, acredita o senador, que já presidiu a Confederação Nacional da Indústria e foi ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior na gestão de Dilma Rousseff.
Igual confiança tem o relator, Ferraço. Para ele, o projeto resolve a guerra do ICMS, convalida os incentivos concedidos sem aprovação do Confaz e estabelece regras de transição para que o país possa migrar para outro modelo de estímulo aos investimentos.
Embora a tendência seja pela aprovação, existe uma questão pendente que pode gerar polêmica no Plenário. Nesta fase da tramitação, em que o texto original do Senado recebeu substitutivo da Câmara, o relator possui margem estreita para realizar novas mudanças. Só pode excluir emendas feitas pelos deputados e voltar ao texto aprovado pelos senadores, ou fazer adequações para tornar a redação mais clara.
Ferraço diz no seu parecer que cumpriu essa determinação regimental. Mas José Serra (PSDB-SP) levantou questão de ordem que deve ser respondida pelo presidente do Senado, Eunício Oliveira.
Para Serra, houve alteração de mérito na redação de Ferraço ao artigo 9º do substitutivo da Câmara (SCD 5/2017), que trata do enquadramento como subvenção para investimento dos benefícios concedidos às empresas com faturamento bruto anual superior a R$ 78 milhões. Apesar de ser uma parcela pequena do universo de empresas do país, cerca de 3%, são exatamente as companhias de maior porte. O PLS 130/2014 foi originalmente aprovado pelo Senado no início de 2015.
Segundo o consultor do Senado da área tributária, Daniel Carvalho, divergências na interpretação desse enquadramento têm gerado situações de litigiosidade tanto no Carf quanto na Justiça.
Pois a parte que não for considerada subvenção de investimento acaba sujeita à tributação federal, incidindo Imposto de Renda Pessoa Jurídica, Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, PIS-Pasep e Cofins. A redação do parecer de Ferraço tenta dirimir essas divergências e evitar que a Receita possa lançar mão de pareceres antigos da década de 1970, como o 112/1978, conforme explicação do consultor.
O texto que foi articulado pelo senador Luiz Henrique, morto em 2015, a partir de projeto de lei complementar (PLS 130/2014) de Lúcia Vânia (PSB-GO) promoveu mudanças importantes. Primeiro, acabou com a exigência de aprovação unânime do Confaz, substituindo por quorum de dois terços das unidades federadas e com o requisito de que as cinco regiões do país estejam representadas com pelo menos um terço dos estados de cada uma delas votando a favor do convênio.
Outro ponto crucial foi perdoar os créditos tributários de ICMS decorrentes da guerra fiscal, regularizando os convênios ilegais. Além disso, o texto definiu prazos de vigência tanto para os benefícios concedidos à revelia do Confaz quanto para os novos incentivos, com diferenciação dependendo da atividade econômica.
Essas medidas foram mantidas na Câmara, que focou no seu substitutivo dar transparência às informações dos convênios. Exigiu, por exemplo, que os estados informem e mantenham atualizados os dados sobre os convênios e seus benefícios no portal do Confaz na internet.
Mas os deputados fizeram alterações relevantes, que exigiram o retorno do projeto a sua Casa de origem. Substituíram a punição imposta pelo Senado de perda dos efeitos do convênio para o estado que descumprir a nova legislação, atingindo diretamente as empresas beneficiadas, pelas restrições definidas na Lei de Responsabilidade Fiscal, como vedar as transferências voluntárias da União, a concessão de garantias do Tesouro Nacional e contratação de operações de crédito. A Câmara eliminou a possibilidade de um estado adotar benefício igual ao de outro da mesma região.
Talvez a mudança mais importante feita pelo parecer de Ferraço tenha sido rejeitar os parágrafos do substitutivo da Câmara que estipulavam redutores graduais nos benefícios, privilegiando determinados setores, como agropecuária, indústria e investimentos em infraestrutura de transportes, na avaliação de especialistas da área fiscal.
Esses setores, conforme o parecer de Ferraço, teriam benefícios integrais pelo prazo de 15 anos, “contados da produção de efeitos do futuro convênio”. O relator resgatou o texto original do Senado, garantindo a isonomia fiscal.
Outra providência que o projeto assegura é prazo de 180 dias, a partir da publicação da lei, para o Confaz aprovar os convênios, regularizando-os.
Para Armando Monteiro, o país precisa substituir os incentivos de ICMS por benefícios fiscais federais. Além disso, lembra que os instrumentos para atrair investimentos estão mudando de natureza, no mundo, priorizando fatores como infraestrutura e capital humano.