O cientista político Antonio Lavareda faz uma análise da política depois da aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno, com a experiência de quem acompanha a política brasileira há algumas décadas.
JC - Quais são as consequências que a retirada dos Estados e municípios da reforma da Previdência pode trazer ao País?
ANTÔNIO LAVAREDA - Já se conhece hoje a difícil situação fiscal dos Estados brasileiros e também da esmagadora maioria dos municípios. A situação fiscal é insustentável e há um consenso sobre isso. É óbvio que há uma dificuldade dos governadores que são de partidos que fazem oposição ao governo Bolsonaro, e que se situam basicamente na região Nordeste, de apoiar uma reforma que envolve diversos aspectos que contrariam interesses dos respectivos eleitorados. Lembrar que no Nordeste, por exemplo, há desaprovação majoritária de governo Bolsonaro; também no Nordeste a aprovação da percepção da necessidade da reforma é muito menor do que no restante do País. Então, os governadores vivem essa dificuldade de como levar seus deputados federais e respectivas bancadas a endossarem essa reforma. Como fazer isso, sobretudo porque nós teremos eleições municipais no ano que vem e esses deputados federais ou serão candidatos ou apoiam candidato às prefeituras que estarão nas disputas.
Como fazer isso sem se indispor com a base eleitoral desses deputados federais nesses municípios? De outro lado, há a percepção de que a situação fiscal dos Estados é uma bomba-relógio. E o conteúdo substancial dessa bomba é a questão da Previdência dos servidores públicos dos Estados e municípios.
JC - Em Pernambuco, somente seis municípios estão com as contas da Previdência equilibradas e o Estado vai ter um déficit de R$ 2,7 bilhões com o sistema de Previdência dos seus funcionários...
LAVAREDA - Esses municípios estão no azul por enquanto, porque a fórmula da Previdência atual é inviável pela mudança do corte geracional, aumento da longevidade. É inviável. Temos uma Previdência estruturada com base na demografia do século 20, que obviamente foi embora junto com o século 20.
JC – O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que a reforma era uma conquista da Câmara dos Deputados. O presidente Bolsonaro também vai tentar capitalizar essa reforma. Como o Sr vê isso? Quem vai poder carregar esse trunfo nos braços?
LAVAREDA – Uma reforma como essa tem vários campeões. O ministro da economia, Paulo Guedes, é um desses campeões porque essa reforma foi montada no ministério dele. Então, vai levar a digital dele. Paulo Guedes é ministro de Bolsonaro, que não era um grande defensor da Previdência, mas foi convencido, mobilizou o seu ministério, incluindo o ministro Onyx Lorenzoni (DEM, Casa Civil), que se mobilizou nessa direção. Foi o membro do governo que mais teve compromisso com a viabilização da reforma. O presidente Bolsonaro é outro campeão dessa reforma. E no Congresso, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, foi uma peça fundamental que trabalhou tanto ou mais até do que o ministro Guedes e o presidente Bolsonaro na persuasão dos deputados. É o presidente da Casa e um dos campeões dessa reforma. Com uma tramitação rápida no Senado, o Davi Alcolumbre (DEM-AP),o presidente do Senado) será outro campeão dessa reforma. Temos pelo menos quatro campeões dessa reforma. Agora se você me perguntar qual o maior...
JC – E de quem é maior crédito pela reforma da Previdência?
LAVAREDA – Para questões assim, temos que fazer um exercício de projeção no tempo. Daqui a 10 anos, quando olharmos pra trás, ou quando os livros de história registrarem ou quando os jornais fizerem um resgate, vai se dizer que essa foi uma reforma do governo Bolsonaro e com isso respondi a questão.
JC – Essa ascensão política de Rodrigo Maia o cacifa para disputar a Presidência da República em 2022?
LAVAREDA – Rodrigo Maia tem um protagonismo importante neste governo, maior até do que teve no governo Temer (MDB). É o ápice de poder, prestígio de visibilidade até o momento na carreira do deputado carioca. Ele vai ter um papel na aprovação da reforma tributária, importantíssima para ajudar o País na retomada do desenvolvimento econômico. No entanto, qual é a dificuldade que ele pode vir a ter? Ele preside um Poder (a Câmara dos Deputados) que tem uma dificuldade básica: a leitura negativa que faz a opinião pública desse Poder. A função parlamentar é daquelas que desfruta da menor taxa de confiança e de prestígio nas sociedades mundo afora e também no Brasil. Então, quem preside o Parlamento fica naturalmente contaminado por essa avaliação negativa que vale para o conjunto da instituição. Daí porque eu acho que será difícil ele construir uma candidatura viável para 2022. Mas na política não existe impossível, existe o difícil.
JC – Por que o Sr diz que essa direita veio para ficar um tempo (se referindo ao grupo que atualmente governa o Brasil)?
LAVAREDA – Tudo isso deve se confirmar, ou não, pelos fatos mais adiante. Mas acredito que essa nova direita que surge no Brasil ocorreu não só porque houve um deslocamento do pêndulo, em 2018. Ou seja, o pêndulo, a maioria da sociedade, se deslocou da esquerda para a direita. Isso ocorre em todos os países com frequência. Na Grécia, a esquerda – que estava no poder – perdeu a eleição para a direita. É natural. Isso acontece, sobretudo, depois que um mesmo grupo fica no poder em sequência por vários mandatos. O PT foi vitorioso em quatro ciclos eleitorais. Para termos uma ideia, nos Estados Unidos, de 1942 até agora, só uma vez o partido republicano ficou no poder três ciclos eleitorais, ganhando três eleições presidenciais sucessivas. O PT ganhou quatro vezes, e isso é raro. Então, tivemos o deslocamento do pêndulo, mas tivemos, simultaneamente, por conta da Operação Lava Jato e da imensa repercussão que o desgaste da política, como um todo, teve na sociedade. Esse desgaste teve como consequência a mudança do pêndulo, que quando se moveu da esquerda para a direita produziu também uma troca de guarda na direita. O PSDB que, tradicionalmente, ocupava o espaço do centro até a direita cedeu o lugar para essa nova direita representada pelo bolsonarismo, a expressão política dessa nova direita. O PT conseguiu se manter como principal representante da esquerda na eleição de 2018, conseguiu se vitimizar com a leitura do impeachment como um golpe e foi beneficiado com o desgaste e a impopularidade de Michel Temer. Mas há fortes indícios de que essa força política nova que chega para representar a direita vai durar um tempo na política brasileira. Não vai ser algo fortuito.
JC – E o que provocou esse movimento do pêndulo?
LAVAREDA - Foi sobretudo a crise econômica, a recessão brutal, a maior em 100 anos de história. É impossível um partido que é responsabilizado pela maior crise econômica do País, em um século, se manter no poder. A mudança do pêndulo é explicada pela crise econômica. A mudança da guarda explicada pela Operação Lava Jato, que deslegitimou a direita tradicional e entronizou no rol de opções no eleitorado de centro-direita a opção pelo bolsonarismo. Essa nova direita surge primeiro nas redes sociais, ou seja, online, e se expressa com força e com visibilidade offline, organizando eventos nas ruas nas praças e nas avenidas do Brasil.
JC – E Bolsonaro se reelege?
LAVAREDA – Se a eleição fosse hoje, eu acredito, pelos dados das pesquisas, que ele se reelegeria e talvez até com uma folga maior que a de 2018.
JC – E como fica a situação política do atual ministro da Justiça, Sergio Moro?
LAVAREDA – Acredito que o desgaste produzido pelos vazamentos do site da The Intercept Brasil – embora não confirmadas – descredenciaram Moro para integrar o Supremo Tribunal Federal (STF). Se fosse eventualmente indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL), ele teria dificuldade na sua sabatina no Senado. Eles desgastaram muito pouco o capital de popularidade de Bolsonaro. Também colocaram Moro na dependência do presidente Bolsonaro, que hoje apoia o ministro em dificuldades nesse processo. Com isso, abriram lugar para uma chapa Bolsonaro-Moro, esse último se tornando um candidato a vice-presidente atraente, porque a mídia sempre notícia que Bolsonaro não tem uma parceria muito próxima com o atual vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB).