É difícil até explicar o que aconteceu ontem em Sobral, pra alguém que não esteja acostumado com a maluquice em que se transformou a rotina dos brasileiros nos últimos anos.
Em resumo: um senador da República foi baleado com dois tiros de .40 no peito enquanto pilotava uma retroescavadeira que avançava pra cima de grevistas encapuzados da Polícia Militar que estão desobedecendo ordem da Justiça para voltar ao trabalho e usam os próprios familiares como escudos humanos enquanto cometem crimes pela cidade e ordenam toques de recolher no comércio para aumentar a sensação de insegurança e valorizar o movimento.
A falta de vírgulas no período anterior foi proposital. Tem coisas que é preciso ler sem respirar pra que a falta de fôlego nos dê o real sentido da bizarrice e não acabemos normalizando o absurdo. Para começar essa conversa, é preciso lembrar que o STF proibiu greves de policiais em 2017 e o poder público precisa usar a lei.
Depois, grevista usando a ausência deliberada do próprio trabalho para colocar em risco a vida da população e tentar alcançar reajuste salarial não é apenas crime, é um ato de imoralidade grotesca e medieval. Quando, ainda por cima, atuam nas ruas, encapuzados, tentando gerar terror e pressionar o Estado, tem que ser presos pela personalidade criminosa que assumiram. E a punição precisa ser exemplar.
Por outro lado, um senador da República, pilotando um trator em direção a um grupo de seres humanos é um desvio de função tão radical e sério, com ameaça à vida de pessoas ali, que, numa sociedade normal, o operador de retroescavadeira honorário com diploma de parlamentar sairia da UTI direto para um processo de cassação de mandato pelos seus pares. Sabemos que isso não vai acontecer.
E sabemos que o fato já está sendo utilizado como combustível no processo de polarização que setores da esquerda e da direita impõem ao País, com orgulho de estratégia, para benefício deles próprios. O que temos é uma sociedade doente sendo tratada com água de esgoto e veneno como remédio. Está ficando cada vez mais difícil salvar o paciente. Está ficando cada vez mais difícil encontrar empatia suficiente para descobrir alguém que deseje mesmo salvar o paciente.