Seringas, comprimidos, soro e até medidores de pressão se empilhavam em frente ao Hospital Maria José Monteiro, em Rio Formoso, devastado pelas chuvas. Lixo hospitalar, lama, portas torcidas e uma sala de parto alagada expõem o prejuízo para o poder público deixado pelas enchentes no interior do Estado. Municípios pequenos, em crise, com arrecadação ameaçada, terão um desafio ainda maior para se reerguer diante da tragédia, socorrer a multidão de desabrigados, reconstruir ruas e pontes, reequipar equipamentos públicos e comprar produtos novamente.
Só em insumos, a prefeita de Rio Formoso, Isabel Hacker (PSB), estima ter perdido R$ 600 mil no hospital da cidade, que não tem previsão se voltará a funcionar. Dos nove postos de saúde da cidade, apenas quatro estão em condições de atender à população. Mais de 1,1 mil moradores já passaram pelo hospital de campanha montado pelas Forças Armadas.
Passado o primeiro momento de socorro às vítimas, a principal preocupação dos municípios, agora, passa a ser a reconstrução. Até o momento, todo o apoio tem sido em donativos. Água, comida e roupas ajudam no primeiro momento. Mas dinheiro para tocar obras de infraestrutura, ainda é zero. E não são só os prefeitos que precisam. O governador Paulo Câmara (PSB) tenta confirmar para o próximo dia 13 reunião no BNDES para tratar de um empréstimo de R$ 600 milhões que o presidente Michel Temer (PMDB) prometeu liberar, mas que ainda não se concretizou. Parte do dinheiro seria usada pelo Estado para dar seguimento a quatro das cinco barragens prometidas após as enchentes de 2010, mas que não ficaram prontas.
Enquanto isso, as prefeituras precisam de dinheiro para o essencial. Em Rio Formoso, a água invadiu o galpão que armazenava a merenda escolar, estragando todo o alimento. Carteiras, computadores e livros de 12 escolas também foram atingidos. Na cidade, 4,9 mil alunos passaram duas semanas sem aula. Devem voltar a estudar amanhã, embora a prefeitura ainda não saiba exatamente em quais condições. Muitos perderam fardas e cadernos. "É melhor que eles estejam na escola, com merenda
garantida, tudo limpinho, do que na rua, brincando com areia, sujeito a doenças", explica a prefeita.
O desafio fica ainda maior por causa da crise financeira que atinge as cidades. Uma das principais receitas próprias dos municípios, o IPTU deve deixar de ser prioridade para famílias que tentam recompor a própria vida. Mesmo que o comércio tenha sobrevivido, as próprias gestões também acham que a economia deve sofrer. "O ISS vai cair por causa do comércio. O comércio vai ter produto, mas cadê o consumidor. A gente estava fazendo uma campanha para IPTU, parcelando e dando desconto. Só que quando há uma catástrofe dessa, ele vai cair drasticamente. Até porque quem estava parcelando não vai cumprir", projeta Sérgio Lima, secretário de Administração de Barreiros.
Engalfinhados com dívidas previdenciárias, os municípios também ficarão de mãos atadas por causa do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que fica retido para quitar os débitos. Em Barreiros, 83,8% dos R$ 12,7 milhões do FPM ficaram retidos. A cidade tem pago a folha de servidores em dia, mas tem tido dificuldade para honrar um acordo com os funcionários para pagar dezembro e o décimo terceiro salário, que a gestão encontrou em aberto quando assumiu.
Por causa da enchente, pelo menos 73 casas ainda estão em situação de risco. Algumas com famílias ainda dentro que não querem deixar o imóvel. A água foi tão forte que engoliu ruas em buracos causados pela erosão. O acesso a Zona Rural ainda é precário e 150 estudantes não estão indo às aulas porque ônibus e carros maiores não chegam aos engenhos onde eles vivem. "A proporção dessa enchente foi muito menor do que a de 2010 por causa da barragem de Serro Azul, que segurou muita água. Eu acredito que se as outras tivessem sido concluídas a gente não teria mais esse problema de enchente aqui na Zona da Mata", lamenta Sérgio Lima.