O conselheiro substituto do Tribunal de Contas do Estado (TCE) Ruy Harten deferiu, nesta terça-feira (20), representação do Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) solicitando a abertura de uma nova investigação nos contratos sem licitação da empresa Casa de Farinha com o Governo do Estado. Os indícios de irregularidades foram encontrados nas contratações para fornecimento de refeições ao Hospital dos Servidores do Estado.
A representação foi assinada pela procuradora Germana Laureano, em razão de sucessivas dispensas de licitação, desde 2015, em favor da Casa de Farinha S/A. No documento, ela lista uma série de indícios de irregularidades, como contratos sem o aval obrigatório da Procuradoria-Geral do Estado (PGE), dispensas que perduravam além do tempo permitido e pagamentos feitos à empresa sem nenhum contrato anterior para respaldar.
A última contratação foi realizada mediante “dispensa” ratificada no dia 19 de junho deste ano pela Secretaria Estadual de Administração. A contratada foi a empresa Casa de Farinha S/A pelo preço de R$ 1.754.571,00.O Ministério Público de Contas questionou a Secretaria sobre se no âmbito da dispensa foi dada oportunidade à C&A Nascimento de Alimentação Ltda, empresa que teria apresentado uma proposta mais vantajosa para os cofres públicos.
A secretaria respondeu que “sim”. Contudo, registrou que, alegando “equívoco” na planilha inicial, a empresa C&A Nascimento majorou a proposta apresentada, tornando-a mais alta que a da Casa de Farinha. Por isso, negociou diretamente com esta última, que passou a concorrer com a proposta mais favorável, amparada na situação emergencial em que se encontrava o HSE devido à falta de conclusão do processo licitatório. Ao todo, porém, foram feitas cinco dispensas emergenciais de licitação sob o mesmo argumento.
O MPCO apontou na representação que "o Contrato 25/2013 não teve aprovação da PGE", que faltou "economicidade, justificativa dos preços unitários, possível obstaculização ao oferecimento de lances por parte dos licitantes, irregularidades na divulgação do edital, do ato de adjudicação e de homologação, valores empenhados em excesso", que a PGE recusou o "visto e declarou extinto o contrato, dada a relevância dos pontos não esclarecidos e das irregularidades apresentadas", que "a Administração Estadual não envidou os necessários esforços à tramitação e conclusão em tempo hábil da nova licitação, que se arrasta há cerca de quatro anos".
Entre as possíveis irregularidades a procuradora ainda aponta que houve "desídia administrativa na finalização do referido processo licitatório levou o IRH a promover sucessivas contratações diretas da empresa", que os "procedimentos de Dispensa de Licitação estão inquinados de diversas irregularidades, tendo a Procuradoria-Geral do Estado negado a aposição do seu visto nos contratos", que "entre os exercícios financeiros de 2015 e 2018, a empresa Casa de Farinha S.A prestou serviços de fornecimento de alimentação hospitalar ao Hospital dos Servidores do Estado durante cerca de dezesseis meses sem cobertura contratual" e que "a empresa recebeu dos cofres estaduais a vultosa quantia de R$ 13.315.384,60 sem que tenha havido o regular processo licitatório".
"Diante da gravidade das irregularidades detectadas, impõe-se a instauração de processo de Auditoria Especial para apurar a responsabilidade pela desídia administrativa na condução do procedimento licitatório que se arrasta por quase quatro anos, bem como para aferir a regularidade dos procedimentos de contratação direta aqui referenciados: Dispensa 02/2015, Dispensa 07/2015, Dispensa 01/2016 e Dispensa 45/2018 e a execução dos contratos delas decorrentes, tendo em vista o apontamento de irregularidades graves no âmbito da Dispensa 26/2017", justificou a procuradora-geral Germana Laureano.
Dentre as irregularidades apontadas pelo MPCO, está que a empresa Casa de Farinha fornecia para o Governo do Estado sem um contrato formalmente assinado, recebendo depois por mero "ajuste de contas". "Verificou-se a existência, em caráter recorrente, de períodos de tempo em que a Casa de Farinha prestava serviços ao IRH sem qualquer cobertura contratual, percebendo sob a forma de termo de ajuste de contas ou processo indenizatório”, apontou o MPCO.
Segundo a representação, o IRH, entre os exercícios financeiros de 2015 e 2018, usou dos serviços de produção e distribuição de refeições para os pacientes, acompanhantes e funcionários do Hospital dos Servidores do Estado, sem qualquer contrato, ocasionando o pagamento do valor total de R$ 4.398.352,54 a título indenizatório, posteriormente.
A procuradora Germana Laureano apurou que "a própria Gerência de Apoio Jurídico do órgão, ao emitir seus pareceres nos quatro referidos processos indenizatórios, fez ver a necessidade de apuração, responsabilização e aplicação de sanção a quem deu causa a tais processos indenizatórios". Segundo o MPCO, não há notícia que o Estado tenha aplicado qualquer punição aos servidores responsáveis pelos pagamentos sem contrato feitos à Casa de Farinha.
Segundo a representação do MPCO, o montante pago pelo Governo do Estado a Casa de Farinha, sem contrato ou com processos de dispensa de licitação "com suspeitas de irregularidades", chega a 13 milhões. A investigação agora segue para os auditores do TCE, que devem elaborar um relatório sobre as irregularidades apontadas pelo MPCO.
O Ministério Público de Contas afirma ainda que há no âmbito do IRH (Instituto de Recursos Humanos) uma “rotina de contratações diretas em favor da Casa de Farinha S/A, desde o exercício financeiro de 2015, ocasionada por uma sequência de vícios administrativos”, descumprindo, inclusive, recomendações feitas pela Procuradoria Geral do Estado.
“Assim, à luz de todo o relato aqui realizado, constata-se que o IRH está há 3 anos e 10 meses efetuando contratos sem respaldo em processos licitatórios, que já consumiram R$ 8.917.032,02”, diz o parecer de Germana Laureano, para quem é necessária a ampliação do “escopo da auditoria” para investigar todas as cinco dispensas e os motivos pelos quais essa licitação ainda não foi concluída.
A empresa Casa de Farinha está no meio de outras investigações, conduzidas pela extinta Delegacia de Crimes Contra a Administração Pública (Decasp), pelo Ministério Público do Estado (MPPE) e pela Polícia Federal (PF). A Operação Castelo de Farinha foi desencadeada a partir de investigações realizadas na Prefeitura de Ipojuca, no Grande Recife. Segundo a Polícia Civil, houve fraude nos contratos de merenda escolar. Há investigações, também, em contratos do Cabo de Santo Agostinho e Recife.
O Governo do Estado, por meio da Secretaria de Administração (SAD) e do Instituto de Recursos Humanos (IRH), lançou nota para informar que a contratação da empresa Casa de Farinha teve início em 2012, em processo licitatório:
Em 2015, a partir da necessidade de aprimorar a forma de contratação, o IRH iniciou, junto aos órgãos competentes, estudos técnicos para promover uma nova licitação, atendidas as adequações aplicadas ao mercado da época e à nova realidade. Até a conclusão dos estudos e o lançamento do novo processo licitatório, o fornecimento de alimentação hospitalar, no âmbito do HSE, serviço essencial, foi garantido por meio de contratação por meio de dispensa de licitação, preservada a oportunidade de ofertas por outras empresas, através de chamamentos públicos.
Concluídos os estudos para a nova forma de contratação, que se mostra de alto nível de complexidade, inclusive quanto à precificação do serviço e itens a serem fornecidos, nova licitação foi aberta e a disputa de concorrentes está marcada para o próximo dia 23.11.2018. Registre-se que tal processo é considerado modelo para futuras contratações de mesma natureza.
O IRH informa, ainda, que, no período em que foi preciso manter o serviço sem a conclusão do processo licitatório, o Instituto procedeu às contratações atendendo estritamente as normas vigentes, e promovendo rigorosa fiscalização e controle pelo setor de Nutrição do Hospital. Tal acompanhamento foi, inclusive, utilizado como projeto piloto para o programa Qualigasto, da Secretaria da Controladoria Geral do Estado.
Ressalte-se, por fim, que o IRH não foi notificado pelo TCE, quanto aos apontamentos noticiados pela imprensa. Quando isso ocorrer, como sempre, prestará todos os esclarecimentos necessários à demonstração do compromisso com a manutenção de serviços essenciais, pela responsabilidade com a administração pública e com a estrita observância das normas vigentes.
Já a Casa de Farinha afirmou, também em nota, que em cinco anos de contratos nunca tivemos nenhuma notificação ou questionamento do TCE:
A respeito da nova solicitação do TCE, a Casa de Farinha informa que ainda não foi notificada sobre o fato, mas esclarece:
Que foi vencedora em pregão eletrônico no ano de 2012, tendo assumido o contrato com o Hospital dos Servidores de Pernambuco para o fornecimento de alimentação a paciente e servidores;
Que os períodos sem contratos aos quais se refere a promotora foram necessários para evitar a interrupção do serviço contínuo, de caráter essencial, aos pacientes e servidores do Hospital dos Servidores do Estado, sendo assumido o risco pela Casa de Farinha quanto à prestação, após solicitação de continuidade pela administração do órgão;
Que todos os valores recebidos mencionados foram comprovadamente fornecidos e atestado por todos os gestores envolvidos na administração do contrato;
Que atualmente o órgão mantém uma média de oito meses de atraso de pagamento, e que, mesmo assim a Casa de Farinha continuou prestando o serviço normalmente, cumprindo toda as suas obrigações;
E que em cinco anos de contratos nunca tivemos nenhuma notificação ou questionamento do TCE.
A Casa de Farinha afirma ainda não entender o porquê de todos esses questionamentos serem levados a público pelo Ministério Público de Contas de Pernambuco através da promotoria antes mesmo de ser feito qualquer tipo de questionamento à empresa, principal interessada no esclarecimento dos fatos. Essa prática vem se tornando frequente quanto aos processos da Casa de Farinha com o objetivo apenas de difamar uma empresa que presta serviços há 14 anos, com mais de 2 mil funcionários e que não tem, até o momento, nenhum fato concreto que pese contra a mesma.
Reforçamos que a solicitação do MPCO é apenas um pedido de abertura de auditoria especial na qual a Casa de Farinha terá mais uma oportunidade de fazer todos os esclarecimentos necessários para a sua defesa, com o objetivo de que a verdade seja esclarecida.