Onde a capital ainda é verde

Segundo maior bairro do Recife, a Várzea preserva atmosfera bucólica, onde vizinhos se cumprimentam e casas com quintais generosos resistem à verticalização. Quem apresenta o lugar é o professor Antônio Carlos Pavão
Carol Botelho
Carol Botelho
Publicado em 23/04/2012 às 13:16
Flora Pimentel/JC Imagem
Foto: Flora Pimentel/JC Imagem


Diante das atuais discussões sobre a verticalização e a aridez do Recife, o bairro da Várzea é um verdadeiro oásis. Segundo maior bairro da cidade, é arborizado, repleto de casas, de lugares para caminhada em contato com a natureza, e de muita herança histórica.

É que aquelas terras foram as primeiras a serem repartidas entre os colonos portugueses que começaram a povoar Pernambuco no século 16. “Foi lá que se instalou o Engenho São João, que pertenceu a João Fernandes Vieira, um dos organizadores da luta para expulsar os holandeses daqui”, revela o professor de história da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Severino Vicente.

Muitos professores da UFPE, aliás, escolheram o bairro como moradia pela proximidade com o local de trabalho. Um deles é o químico Antônio Carlos Pavão, 62 anos, que lá reside há três décadas e foi escolhido para ser o guia da Arrecifes nesta edição da série Lá onde eu moro.

Morador de uma rua popular, a Vereador Luís Cavalcanti, Pavão construiu uma casa que resume a sensação de bem-estar de quem vive na Várzea: é ampla, térrea, com varanda grande e quintal maior ainda. São cerca de 20 espécies de fruteiras como jaqueira, caramboleira, coqueiro e até cana-de-açúcar, uma das paixões do professor, que dispõe de um moedor para tomar caldo de cana fresquinho, sempre que der vontade. “Aqui parece uma cidade do interior. Caminho nas ruas e todo mundo me cumprimenta. As pessoas são simples e amigas. É como se não estivesse dentro de uma metrópole”, derrete-se Pavão, que é natural do interior de São Paulo e veio para o Recife para ensinar.

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A Praça Pinto Damaso, mais conhecida como Praça da Várzea, é o coração do bairro - Flora Pimentel/JC Imagem
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Praça Pinto Damaso, na Várzea, tem equipamentos como quadrade de vôlei e Academia da Cidade - Flora Pimentel/JC Imagem
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A vida no bairro ainda lembra a de cidades do interior, com crianças brincando nas ruas - Flora Pimentel/JC Imagem
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Casa preserva arquitetura dos tempos em que o local era ocupado por engenhos - Flora Pimentel/JC Imagem
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A Rua Barão de Muribeca é uma das mais arborizadas do bairro e, por isso, usada para caminhadas - Flora Pimentel/JC Imagem
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A Igreja Matriz da Várzea, do século 17, já guardou o corpo do índio Felipe Camarão - Flora Pimentel/JC Imagem
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Foi nas margens do Rio Capibaribe que surgiram os primeiros engenhos de cana-de-açúcar de Pernambuco - Flora Pimentel/JC Imagem
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Vista do Rio Capibaribe - Flora Pimentel/JC Imagem
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Rio Capibaribe visto da ponte da Caxangá - Flora Pimentel/JC Imagem
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Vista do bairro da Várzea, o segundo maior do Recife - Flora Pimentel/JC Imagem
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Vista do câmpus da Universidade Federal de Pernambuco, que fica na Cidade Universitária - Flora Pimentel/JC Imagem
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É na Rua Vereador Luiz Cavalcanti que mora o professor Antônio Carlos Pavão - Flora Pimentel/JC Imagem
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O professor da UFPE, Antônio Carlos Pavão, nos guiou pelos cantos da Várzea - Flora Pimentel/JC Imagem
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Igreja Matriz da Várzea, do século 17 - Flora Pimentel/JC Imagem

Para ele, a Várzea tem personalidade e identidade por conservar hábitos que não mais existem em outros bairros. “No São João tem o Acorda Povo, quando as pessoas saem caminhando pelo bairro, cantando e tocando. Eu costumava sair também, com um pandeiro”, recorda. A Praça Pinto Damaso, mais conhecida como Praça da Várzea, é o coração do lugar. “Os aposentados ficam ali jogando dominó, há quadra de vôlei e brinquedos para as crianças”, diz.

Outro espaço democrático é o chamado Campo do Banco, que fica na esquina da casa de Pavão. “Sempre tem gente jogando aqui. E na beira do campo, todos os dias, muitas pessoas se reúnem para um bingo”, conta Pavão, que consegue ouvir de casa os números do jogo sendo cantados. É por ali que fica também a Barraca de Carlos, uma pequena mercearia que vende artigos como cerveja, pão, refrigerante e ovos. “Sempre quebra o galho quando falta alguma coisa em casa.”

Perto dali, ergue-se a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, conhecida como Igreja da Várzea, datada do início do século 17. “Lá esteve enterrado o índio Felipe Camarão, um dos que lutaram pela expulsão dos holandeses”, revela Severino.

Por ali ficam também pontos turísticos mais conhecidos e visitados por quem vem de fora. Caso da Oficina Brennand, na Propriedade Santo Cosme e Damião, onde Pavão contempla as obras e ainda conversa com o artista Francisco Brennand. “Já tive uns papos muito interessantes com ele”, conta. O lugar surgiu em 1971 das ruínas de uma olaria, instalada nas terras do Engenho Santos Cosme e Damião, cercadas por mata atlântica e às margens do Rio Capibaribe. Já o Instituto Ricardo Brennand (IRB), na Alameda Antônio Brennand, tem um rico acervo de peças medievais.

Também agradável é o caminho que leva ao escritório do Grupo Cornélio Brennand, na Rua Barão de Muribeca, e passa pela Companhia Industrial de Vidro, vendida para a Owens Illinois Incorporation. “O passeio é bem bucólico. Tem pasto com gado e um pouco de mata atlântica. Eu e muitos moradores da área caminhamos por lá”, avisa.
Pavão usufrui do privilégio de quem reside perto do trabalho. “Almoço em casa e ainda tiro um cochilo depois do almoço.” No câmpus, no entanto, o professor só ensina ou caminha. “Deveria ter mais atrações nesse espaço da universidade nos fins de semana, para criar uma cultura de frequência tanto por parte de quem mora no bairro como dos que vêm de fora”, sugere.


URBANIZAÇÃO
Até o início do século 20, a Várzea era área rural. E só virou bairro com a instalação de uma tecelagem, que atraiu operários a ocuparem o local. “Somente depois que a fábrica fechou, nos anos 80, e muitos desses trabalhadores foram para outras regiões, foi que o bairro passou a ser procurado pela classe média”, relata Severino.

De lá para cá, mudanças ocorreram. A expansão urbana já chegou, assim como engarrafamentos e infraestrutura precária. “Comunidades que surgiram na beira do rio criaram problemas sanitários”, diz Severino. Mas se a proposta é fugir do trânsito, ainda há privilégios. “Fica próximo das saídas da cidade”, defende Pavão.

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