Sábado à noite. Mais de 100 pessoas seguiram para o restaurante Papaya Verde, no Espinheiro, para, às 19 horas em ponto, dar início a uma dessas confraternizações em torno de um bufê. Nada de novo no front de um Recife que cada vez mais “sai para comer fora”, não fosse uma coisa: nenhuma das receitas selecionadas utilizava carne ou qualquer outro produto derivado da “exploração animal”.
Lá estavam praticantes do lactovegetarianismo, que inclui lácteos na dieta; os ovo-lactovegetarianos, que acrescentam mais um item a esta soma; os vegetarianos estritos, que se alimentam apenas de produtos de origem vegetal e os veganos que, além de não ingerirem nada de origem animal, não usam artigos de couro, peles, lã, penas, escamas e ossos e não frequentam atividades ou lugares que utilizem animais para fins de entretenimento, a exemplo de zoológicos, rodeios ou vaquejadas, para citar apenas três.
O evento foi montado em conjunto pelo Grupo Mandacaru, que representa a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB) no Recife, e o Grupo Ganapati, blog que discute assuntos ligados à ecologia, ética, espiritualidade e ao vegetarianismo. O cardápio de 29 pratos, formatado por João Asfora Neto, um dos sócios no Papaya Verde, pretendia, além de difundir a cultura vegana e lactovegetariana, divulgar a riqueza e variedade dessas culinárias e, ao mesmo tempo, arrecadar recursos para as ações de ativismo em defesa dos animais no Recife. A farra custou R$ 35 por pessoa, sem incluir bebidas.
A necessidade de estar sempre explicando sua opção também é uma das queixas de Ana Quitéria: “De vez em quando aparece alguém querendo me ‘desconverter’ e me pergunta sobre caninos e proteínas. Também me perguntam se, estando em uma ilha deserta, morreria de fome para não matar um animal. Com estes eu deixei de discutir, pois eles não estão curiosos sobre o vegetarianismo, só querem encher o saco”, declara.
O tópico da dentição, aliás, é um argumento sempre sacado da manga pelos onívoros, como um atestado da nossa programação genética carnívora e ela vem sempre seguida pelo argumento da debilidade física que sua ausência provoca. “Por isso que é amarelo” é uma frase recorrente quando um grupo antagoniza o outro. “O comer carne pode e deve ter sido natural em outras fases do processo da evolução humana. Se fosse tão natural isso hoje você mataria o seu próprio jantar em vez de pagar alguém para fazer o serviço sujo por você, escondido em um matadouro. Esse processo do abate tão ‘lindo e natural’ passaria na TV no lugar dos franguinhos risonhos e ridículos de capacete. Se fosse tão natural assim, as crianças iriam em excursões educativas escolares ver a morte ‘natural’ dos bezerros anêmicos (vitelas) e a criação industrial de porcos, vacas, e galinhas poedeiras”, indigna-se.
Nessa guinada alimentar que alguns consideram drástica, há também aqueles que estão no meio do caminho, ou seja, ainda não conseguiram abolir a carne do cardápio, mas se sentem motivados, como a jornalista Érika Valença: “Quando era criança, não gostava de comer carne. Um dia o pediatra disse à minha mãe que não me forçasse, que estava tudo bem e que, se eu pedisse, desse. Assim ela fez, nunca me forçou. Comi porque gostava de macarrão com carne moída, sopa e assim acostumei o paladar. Hoje em dia, se eu conseguisse, primeiro, aderir a esse hábito, com certeza educaria meus filhos assim”, afirma.