Um passeio pela arquitetura do Recife

Prédios antigos da capital pernambucana exibem curiosos detalhes nas fachadas, ricos em história
Cleide Alves
Publicado em 31/08/2014 às 8:08
Foto: Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem


A reportagem que você começa a ler nesse instante não é uma denúncia. Nem uma cobrança. É uma proposta para você sair de casa – depois de ler o jornal, claro – e olhar a seu redor, de preferência para o alto. Isso mesmo. Experimente andar pelas ruas do Recife, sem pressa, apenas contemplando os detalhes da arquitetura das velhas edificações e veja o que descobre.

Num passeio assim, despretensioso, encontramos a figura de Mercúrio, o deus do comércio, enfeitando casarões que no passado eram moradia. E a carinha de um jovem na fachada do Edifício Chantecler voltada para a Rua da Madre de Deus, no Bairro do Recife, em meio à profusão de laçarotes e flores da decoração do famoso prédio.

Quarta-feira passada (27), as comerciárias Cleide Albuquerque e Polliana Brito toparam o desafio de olhar o casario da Rua Duque de Caxias, por onde passam todos os dias a caminho do trabalho, no bairro de Santo Antônio, Centro da cidade. “Oxe, e não é que tem um índio mesmo ali?!”, espantou-se Polliana ao ver, pela primeira vez, a escultura de um índio, de corpo inteiro, na fachada de um dos prédios.

“Nunca tinha notado”, continua Cleide Albuquerque, igualmente surpresa ao se deparar com um painel de azulejo colorido, em outro imóvel da Duque de Caxias, na esquina com a Avenida Nossa Senhora do Carmo. O quadro retrata uma moinho de vento, com o silo, a vela usada para girar a pedra, um burro de carga, uma cerca e árvores.

Reparando bem as edificações, você vai perceber rostos femininos em prédios comerciais, leões e até nomes engastados em paredes, como a Vila Almeida, na Rua Real da Torre, bairro da Madalena. Esse tipo de decoração era frequente no Recife até a década de 40 do século 20, informa o arquiteto José Luiz Mota Menezes, presidente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano.

Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
Fachada do Edifício Chantecler, no trecho da Rua da Madre de Deus, Bairro do Recife - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Prédio do Centro Cultural dos Correios, na Av. Marquês de Olinda, Bairro do Recife - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Edifício Luciano Costa, no Bairro do Recife. Detalhe da fachada da Avenida Rio Branco - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Detalhe de prédio na esquina da Avenida Rio Branco com a Rua do Bom Jesus, no Bairro do Recife - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Na Rua Duque de Caxias, bairro de Santo Antônio, índio indica a numeração de dois prédios - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Painel de azulejo na Rua Duque de Caxias (Santo Antônio), estampa o desenho de um moinho de vento - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Imagem de São Jorge no prédio de número 11 da Rua da Praia, no bairro de São José - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Casa com influência da arquitetura dos Alpes italianos, no Poço da Panela, Zona Norte do Recife - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Casa com influência da arquitetura dos Alpes italianos, no Poço da Panela, Zona Norte do Recife - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Mercúrio, o deus do comércio, assinalava moradia de comerciantes prósperos, como essa em Casa Forte - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Mercúrio, o deus do comércio, assinalava moradia de comerciantes prósperos, como essa em Casa Forte - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem
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Graciosa maçaneta, em formato de mão, no portão de uma casa da Avenida Rui Barbosa, nas Graças - Foto: Alexandre Gondim/JC Imagem

 

Os enfeites, diz ele, tinham duas funções. Num primeiro momento, serviam como indicador da profissão do dono da casa (ferreiro, alfaiate) ou para mostrar a importância que o morador se dava na sociedade, num costume medieval. “Era uma espécie de placa de propaganda, numa época anterior à publicidade”, compara o arquiteto. Depois, os acessórios ganham natureza decorativa do renascimento.

Comerciante português no século 19, próspero e influente, o barão Rodrigues Mendes tinha um Mercúrio na fachada da casa onde morava, na Avenida Rui Barbosa, bairro das Graças. Atual sede da Academia Pernambucana e Letras, o imóvel não exibe mais a escultura, roubada anos atrás. Mas serve como pista para explicar a figura do deus do comércio decorando a fachada de um antigo casarão residencial da Avenida 17 de Agosto, em Casa Forte, hoje transformado em loja. Ali, muito provavelmente, vivia um comerciante rico.

“O nome do morador na fachada da casa, às vezes associado ao brasão da família, como ainda se vê na cidade, simboliza a marca da elite”, diz o arquiteto. Possivelmente, o exemplo mais antigo de ornato com função indicativa, no Recife, esteja no Instituto Arqueológico. É a pedra de Jacob, que ficava na porta de uma das casas da Rua do Bom Jesus, Bairro do Recife, no século 17, com a inscrição “Jacob sou eu”, conta José Luiz.

Na Rua Duque de Caxias, a função do índio, que remete ao homem nativo, é sinalizar a numeração dos prédios. A figura, de cocar e saia de penas, segura numa das mãos a placa com os números 340 e 350. Segundo o arquiteto, os enfeites decorativos são típicos da arquitetura eclética europeia, copiada pelo restante do mundo. “As imagens chegavam ao Recife por meio de gravuras e litografia”, declara.

Outra curiosidade, não da arquitetura, mas ligada à fundição, é a maçaneta em formato de mãozinha nos portões de um palacete de gosto francês na Avenida Rui Barbosa, em frente ao Colégio Damas, nas Graças. “Muitos desses portões de ferro foram desmanchados e os ornatos substituídos por quatro pedrinhas de azulejo”, lamenta José Luiz. Mas, ainda há muito o que se ver. Descubra.

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