Nômades

Marcelino Freire foi para São Paulo no rastro de um amor (e ficou)

Escritor pernambucano está há 23 anos na capital paulista

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 02/11/2014 às 7:00
Heudes Regis/JC Imagem
Escritor pernambucano está há 23 anos na capital paulista - FOTO: Heudes Regis/JC Imagem
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“Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal forma que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas”. Stuart Hall


O escritor Marcelino Freire marcou bate-papo conosco para falar de nomadismo no Empanadas Bar, na Vila Madalena. O lugar é um reduto pernambucano. Foi arrendado por garçons do Estado, nos anos 90, quando os donos argentino e chileno decidiram retornar a seus países. Há 15 anos vivendo no bairro, o escritor é figura cativa por ali. Enquanto conversamos ele não para de ser cumprimentado por funcionários e conhecidos. Pede empanada de queijo, cerveja e começa a papear. 

 


Marcelino conta que herdou de sua mãe, Dona Carminha (Maria do Carmo Freire), uma pulsação para o deslocamento. Nascida em Sertânia, a dona de casa queria mais do que fugir da estiagem com a família. Pelejava para que os filhos estudassem. Decidiu seguir para Paulo Afonso (BA), onde viviam uns parentes. “Mas não deu certo e ela encasquetou que ia pro Recife. E fomos. Meu pai, minha mãe e nove filhos que sobreviveram de 14 gestações. Nos instalamos no bairro de Água Fria”, recorda o escritor, que é o caçula da prole.  

No Recife começou a escrever peças de teatro e contos. A decisão de rumar para São Paulo foi influenciada por um amor, que tinha ido morar na “cidade de pedra” e convidara Marcelino a segui-lo. O romance não vingou, mas o escritor fez de São Paulo o seu lugar, onde vive há 23 anos. “Dona Carminha ainda chegou a acompanhar minha trajetória como escritor. Uma vez tive a oportunidade de vê-la fazendo um monólogo diante de uma matéria com a minha foto. Ele erguia o jornal e agradecia a Deus até amassar as folhas. No final disse uma frase extraordinária: ‘só em saber que meu filho não saiu numa página policial já está muito bom’”, reproduz, às gargalhadas.    

O escritor afirma que São Paulo contribuiu para afirmar sua origem. “Aqui descobri que tenho sotaque, porque quando eu falo as pessoas perguntam de onde eu sou, aqui lembrei que tive infância (como se olhasse um quadro a distância), aqui criei minha literatura, aqui senti saudade do barulho da minha casa, aqui descobri forças que julgava não ter. Quando morrer quero que meus ossos sejam enterrados aqui”, assinala. Marcelino se sente de São Paulo, mas não da cidade. De tudo o que ela representa.

 

“Alguém que está aqui está em todos os lugares, porque São Paulo não é (no singular), São Paulo, são (no plural)”, observa. Fazendo uma comparação, ele diz que Recife é uma cidade que amanhece (em função do sol, da praia e do suco de maracujá), enquanto São Paulo, acorda. “Mas eu amo o Recife. Quando estou lá me sinto em casa, coloco uma bermuda e vou caminhar”. 

 

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