Mapas, brasões, insígnias, bandeiras, personagens. Na galeria abrigada em casarão secular do Recife Antigo, era um plástico transparente que guardava todos eles – o conjunto é uma preciosidade: 22 desenhos originais criados pelo escritor Ariano Suassuna para o Romance d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai e Volta. Em nanquim sobre papel, todos assinados pelo autor e com a mesma data neles grafada: 1970. Seis ainda trazem legendas batidas a máquina de datilografar. “Bandeira do Divino Espírito Santo do Sertão, que o padre conduzia”; “Escudo do manto do rapaz do cavalo branco”.
Os desenhos, que hoje pertencem ao galerista Carlos Ranulpho, eram desconhecidos até pela família de Ariano. “Ele nunca me revelou que tinha vendido esses desenhos”, conta-nos o artista plástico Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano. “Além disso, ainda não fiz o trabalho de investigação do acervo de meu pai. Para mim, é tudo muito recente”, afirma, demonstrando a dor que permanece passado um ano da morte do pai.
A surpresa com a descoberta dos originais também chega aos estudiosos da obra do escritor: “Não sabia da existência desses desenhos nem do fato que estavam em mãos de outra pessoa”, diz o escritor Braulio Tavares, um dos responsáveis pela adaptação do romance para a Rede Globo, em 2007. “Ariano era muito meticuloso com suas coisas, pelo pouco que vi. Não acho que ele vendesse desenhos originais, a não ser que estivesse muito precisado em algum momento, o que não é impossível”, conclui.
O livro tem um total de 25 desenhos; Carlos Ranulpho tem 22. Ele conta como comprou os originais, na década de 1970. “A minha relação com Ariano não era íntima. Conhecia e tinha o maior respeito por ele, achava uma criatura fantástica. Esse livro da Pedra do Reino estava muito em evidência. Eu soube que ele estava querendo se desfazer desses desenhos, estava querendo comercializar. Então, eu comprei”, revela-nos Ranulpho, expondo, com exclusividade para a nossa reportagem, o seu tesouro artístico. “Comprei os desenhos originais, pensando até como um investimento futuro. Imaginei que, naturalmente, a coleção seria valorizada. Isso me fez adquiri-la, na época”, admite, dizendo ainda que não se lembra de outros detalhes relativos à compra como, por exemplo, o local nem o ano em que ela foi feita.
O marchand afirma também que guardou os desenhos e só voltou a encontrá-los recentemente, em julho, quando completou-se um ano da morte de Ariano. “Estava fazendo uma arrumação e achei os originais. Acho que, agora, caberia divulgá-los. São desenhos fantásticos, feitos por ele, um por um.” A intenção de Ranulpho é vendê-los para uma instituição: “Acho que isso tem um peso, uma importância para a cultura pernambucana e brasileira. É algo para ser preservado por uma instituição ou um museu”, afirma.
TAPARICA
Ariano sempre dizia que, caso todos os seus livros fossem incendiados e ele só pudesse livrar um deles, salvaria do fogo o Romance d’A Pedra do Reino. Traduzido para o alemão e o francês, estudados em mestrados e doutorados de várias partes do Brasil e do mundo, o autor definia o livro como “a obra na qual me expressei de maneira mais completa”.
Com a graça que lhe era permanente companheira, dizia que o livrão, com mais de 700 páginas, era apelidado, pelo alunos da Universidade Federal de Pernambuco – onde foi professor por mais de 30 anos – de “O Tijolão do Reino”.
Os desenhos do romance, todos elaborados com traço preciso e precioso por Ariano, aparecem na história como sendo uma criação de um dos personagens, Taparica, irmão de Quaderna, o narrador: “Meu irmão bastardo, Taparica Pajeú-Quaderna, é cortador-de-madeira e ‘riscador’ de todas as gravuras com que ilustro as capas dos ‘folhetos’”, está em um treco do livro. A obra é dividida em 85 folhetos.