Cachorros, companheiros de viagem

Thor só tem um ano e já viveu experiências intensas de aventura. A última, no Vale do Catimbau, subiu e desceu pedras, diante de paisagens de tirar o fôlego. Caju tem seis e já perdeu as contas de quantas vezes pegou a estrada. Estamos falando de dois cachorros – o primeiro, um cão d’água português, o segundo, um poodle. As descrições das viagens e paisagens que eles já vivenciaram ficam por conta das tutoras, a treinadora e veterinária comportamental Aina Bosch e a promotora de vendas Marília Azevedo, respectivamente. Não é de hoje que a relação entre homem e cachorro é tão estreita que, para alguns, até na cama eles se aconchegam. Num País onde a população de cachorros em domicílio supera o número de crianças (dados do IBGE de 2015), os “peludos” já são considerados um membro da família, chamada de multiespécie. Então, por que não tê-los, também, como companheiros de estrada?

Quando Marília decidiu ter um cachorro, ela tomou a decisão de que ele participaria dos momentos de lazer. Todos os amigos já sabem: para onde Marília vai, Caju “vai a tiracolo”. “Eu morava só e achei que não seria justo deixar ele preso, logo na hora do lazer. Quando ele pode ir comigo, eu viajo, quando não, a gente fica em casa, juntos”, contou. Os passeios são os mais variados. Pode-se dizer que Caju já curtiu um jazz na Fazenda Macuca, na Zona Rural de Correntes, já sentiu o frio de Garanhuns na alta temporada do Festival de Inverno e acampou de frente para o mar paradisíaco de São Miguel dos Milagres, em Alagoas.

“Como ele sempre viajou muito, convive com várias pessoas. Se dá bem com todos, crianças, supertranquilo, superssociável. Adora andar de carro, passear, gosta mais de estar na rua do que preso em casa”, disse. 

Treinadora e veterinária comportamental, Aina Bosch sabe o quanto integrar os cachorros à rotina do dono, quando possível, traz um ganho enorme para a saúde do animal. “A socialização é uma etapa importante na educação dos cachorros. E criar o hábito de viajar com eles dá oportunidades intensas e especiais de socializar. Um cão bem socializado, com outras pessoas, outros animais, é uma ‘vacina’ contra problemas de comportamento”, aconselhou. 

Aina explica que Thor, o “caçula” dos filhos caninos, foi acostumado desde muito pequeno a andar de carro, viajar e circular pela cidade. Ter feito isso foi “fundamental” para ter segurança de que ele seria um ótimo companheiro de trilha. Ela passou três dias acampada com ele no Vale do Catimbau, em Buíque. “Ele já está acostumado com a natureza, pois vivemos em sítio. Mas lá ele teve estímulos dos mais variados. A região é muito seca, sem fontes de água. Mesmo assim o ambiente propiciou que ele ativasse o faro e achasse fontes de água, acumuladas pela chuva, no meio do caminho”, disse. Apaixonada por trilhas na natureza, ela já planeja muitas viagens de ecoaventura com Thor.

Os amigos cariocas Bruno Lamoglia e Murilo Teldeschi foram ainda mais ousados na aventura. Quando estava prestes a realizar seu sonho dar uma volta ao mundo, Bruno ganhou a pequena Tchuba. Em vez de deixá-la, refez todo o percurso, planejado para durar um ano, e a incluiu como a terceira companhia de viagem. Após percorrer todo o Oeste dos Estados Unidos, eles estão agora no Alasca, se deslocando com um motorhome (trailer). “A rotina dela contém mais aventuras, como trilhas. Passa muito mais tempo com a gente do que se estivesse em casa. Ela dorme no mesmo local que dormimos. Faz mais passeios porque tem mais facilidade de acesso à rua. Então, ela está muito mais atlética, corajosa (ela tinha medo de nadar), mais sociável, fica mais tempo solta, fareja novos cheiros todos os dias, desbrava locais novos... Difícil mesmo será a volta”, contou Bruno, o tutor de Tchuba.

Ao contrário do que se possa imaginar, eles encontraram muitos outros viajantes que carregavam seus cachorros na “mochila”. “Percebemos que quanto melhor economicamente o país, mais tranquilos serão as regras e o relacionamento com animais. O choque nos EUA e Canadá foi o inverso, quase não houve reclamações devido à raça, algo que achei que fosse ser chato. No Canadá, pudemos entrar até no shopping lotado. O Brasil está iniciando essa política. Muitos hotéis já aceitam cachorros. Mas acredito que poderia, sim, melhorar a infraestrutura para recebimento dos pets, como parques especializados para cachorros, mais hotéis e permissão para estar com seu pet na natureza”, disse. Nos Estados Unidos, os parques nacionais não permitem a entrada de cachorros. Por outro lado, existem outros especializados, que criaram trilhas especiais para o turismo pet. 

Percebendo esse vácuo no mercado e para atender a uma demanda própria, a turismóloga Larissa Rios criou a empresa Turismo 4 Patas, em São Paulo, que organiza passeios de ecoturismo pet. Quando passou a criar a golden retriever Cléo, ela sentiu a necessidade de dar oportunidades para vivenciar tais experiências. Os passeios vão de trilha a rafting e chegam a juntar até 40 cachorros no mesmo momento. “A maioria dos locais são propriedades privadas, dentro de sítios, fazendas, pousadas. Não entramos em parques e em área de proteção animal. Mas também tem um passeio que é pelo mar e paramos em algumas praias. Na faixa litorânea brasileira não são permitidos legalmente animais. No início, alguns moradores não gostavam da nossa presença e reclamavam. Mas, depois, mudou. Temos toda uma consciência de preservação ambiental e a ideia é não incomodar os outros”, disse.

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