A expressão "feijão de cego", muito popular em Sergipe, resume bem o trabalho dos gestores estaduais, municipais e do governo Federal em relação à vacina. Sem nenhuma coordenação central, sem qualquer ordem ou planejamento factível, pessoas estão começando a perder o prazo da segunda dose da vacinação, faltam insumos para produção, faltam medicamentos para intubar pacientes graves.
Feijão de cego é o nome que se dá ao produto da labuta do cego que pedia esmolas de porta em porta e recebia um punhado de feijão, de todas as qualidades e tipos diferentes, em cada casa. Ele vai juntando e quando soma um quilo, vende mais a frente, por algum dinheiro para sobreviver.
Feijão de cego é um produto misturado, bagunçado, de baixa qualidade. Igual ao trabalho dos governadores, prefeitos e do presidente da República desde que essa pandemia começou.
O episódio da Sputnik V é um exemplo disso. Governadores encomendaram 30 milhões de doses de um imunizante que não se sabia do que se tratava, baseados em lobby e propaganda russos.
A essa vacina, o governo Federal não se opõe, mas esqueceram de combinar com a Anvisa, que esta semana afirmou que o imunizante oferece risco à saúde das pessoas.
Coerência é algo que não se pode exigir em um feijão de cego, mas deveria haver na condução dos gestores.
A ciência é levada em consideração quando se trata de refutar medicamentos milagrosos que até o presidente já tentou vender.
Então, a ciência precisa ser respeitada agora, quando diz que a vacina russa oferece risco e não deve ser aplicada. Apesar disso, os governadores seguem brigando e insistindo.
Aí entra um outro problema da falta de coordenação: quem se responsabiliza? Já que a Anvisa diz que o imunizante é perigoso, os governadores que comprarem se responsabilizam sozinhos pela aplicação?
Em todos os países do mundo onde as medidas restritivas deram certo, houve coordenação central e fiscalização sobre o que era ou não permitido.
No Brasil, cada governador decidiu uma coisa diferente, em datas diferentes, por período diferente, com fiscalização mais ou menos rígida de acordo com a disposição política de cada gestão.
E, mais, quando os prefeitos queriam, ainda endureciam mais em algumas cidades específicas. Ou não.
E, ainda tem um presidente que não coordena nada e ainda atrapalha quando pode, por imposição eleitoral.
É possível sobreviver com o feijão de cego, mas sob que condições e sob que nível de consequências?
A conta das quase 400 mil mortes tem como um fator muito importante essa falta de coordenação, essa bagunça que se tornou a gestão da crise na pandemia.
Temos gestores cegos, catando feijão de porta em porta e, o pior, tentando vender o resultado como se fosse um raríssimo Manjar Turco.